Título: A mensagem de Pyongyang
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Fonte: O Estado de São Paulo, 27/05/2009, Notas & Informações, p. A3

O segundo teste atômico da Coreia do Norte em três anos - uma experiência bem-sucedida, ao contrário da anterior, que só produziu uma explosão parcial - parece dar razão a todos quantos sustentam que, ao lado da crise ambiental, a proliferação nuclear é o maior problema do mundo. É verdade que, ao longo do tempo, os sócios-fundadores do clube da bomba, a começar dos EUA, conseguiram dissuadir dois fortes candidatos a se juntar a eles - a África do Sul e a Líbia. Mas não lograram demover do mesmo intento Israel, Índia e Paquistão, por sinal três dos principais destinatários da ajuda militar americana no globo.

Na sua primeira visita à Europa, no início de abril, o presidente Barack Obama fez em Praga, na República Checa, uma candente exortação pelo desarmamento nuclear, embora com a realística ressalva de que a meta levaria décadas para ser alcançada. Naturalmente, ele se dirigia aos países que não precisam acumular arsenais atômicos como recurso extremo de autodefesa e intimidação contra vizinhos hostis, ou para terem a sua maioridade política reconhecida nos foros internacionais e serem aceitos como interlocutores legítimos pelos poderosos da Terra. Mas, a paráfrase se impõe, o inferno são os outros.

Quando se trata de governos comparáveis ao rato que ruge do cinema, caso típico do regime de Pyongyang, o leque de alternativas de dissuasão ao alcance da comunidade internacional, combinando prêmios e castigos, tem notórias limitações. Ainda mais quando a experiência ensina ao país interessado que, para fins de chantagem, a bomba não funciona como possibilidade, mas apenas como fato consumado. Em meados dos anos 1990, depois de blefar que abandonaria o Tratado de Não-Proliferação, a Coreia do Norte aceitou a iniciativa do governo Bill Clinton de negociar um acordo pelo qual congelaria as suas atividades nucleares em troca de ajuda para a construção de usinas elétricas, além do fornecimento de petróleo e alimentos.

No que foi o melhor momento da história dos contatos entre Washington e o miserável domínio da dinastia Kim (do finado semideus Kim Il-sung ao seu filho Kim Jong-il e, eventualmente, ao caçula deste, Kim Jong-un), a então secretária de Estado Madeleine Albright visitou Pyongyang em 2000. Parecia abrir-se uma trilha para o estabelecimento de relações entre os dois países e entre as duas Coreias, meio século depois do brutal conflito que consolidou a divisão da Península através do Armistício de Panmunjon. Mas, em 2002, o governo Bush incluiu a Coreia do Norte no seu afamado "eixo do mal". Seguiram-se intermitentes - e afinal malogradas - negociações com o Grupo dos Seis (EUA, China, Rússia, Japão, Coreias do Sul e do Norte) e a imposição de sanções econômicas pelas Nações Unidas.

Razões de política interna fizeram a sua parte para o teste da última segunda-feira que teria potência equivalente à da bomba de Hiroshima. Pelo pouco que se sabe dessa arcana ditadura monárquico-marxista, Kim Jong-il, ao convalescer de um acidente vascular cerebral, se pôs a expurgar os setores comparativamente moderados do governo e do partido, dando força total aos planos nucleares das Forças Armadas. A lealdade dos militares é essencial para que ele faça de Kim Jong-un - ou de quem quer que seja - o seu sucessor. A Coreia do Norte, onde a fome é endêmica, mantém o terceiro maior exército do mundo, depois dos EUA e da China.

Em janeiro, o "querido líder" rompeu uma série de acordos com o governo sul-coreano. No começo de abril, Pyongyang lançou o foguete Taepodong-2, capaz de atingir o Alasca, sob a falsa alegação de pôr em órbita um satélite de comunicações. Seguiram-se novas sanções - que de nada serviram. A explosão de anteontem foi condenada em toda a parte. O Itamaraty determinou ao diplomata escalado para ser o primeiro embaixador brasileiro no país que interrompesse a viagem em Pequim. A pergunta que corre mundo, porém, é o que mais as grandes potências e a ONU podem fazer contra um regime já isolado.

Uma solução armada é impensável. Resta o que Obama propôs ao Irã: dialogar. É o que, a seu modo, Kim Jong-il também pretende, "como se pedisse alguém em casamento apontando-lhe uma arma", compara um cientista político japonês. "Mas é assim que a Coreia do Norte opera."