Título: Nem Dilma nem o Brasil merecem isso
Autor: Barros, Alexandre
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/05/2009, Espaço Aberto, p. A2

Este artigo não é partidário nem pessoal. Desde já, o meu respeito e a minha solidariedade à ministra Dilma Rousseff e a todos os portadores de câncer, passados, presentes e futuros.

Ignoro se há acordo explícito, tácito ou sigiloso entre os membros da classe política para não falar da doença da ministra Dilma. Talvez sim, talvez não. É possível que muitos não queiram falar do assunto para preservar seu próprio interesse e benefícios ou malefícios que podem ter caso ela venha, ou não, a ser presidente.

Nossa História está cheia de casos de interrupção de mandatos presidenciais nos últimos 60 anos: Getúlio suicidou-se, Jânio renunciou, Jango foi deposto, Costa e Silva morreu durante o mandato, Tancredo adoeceu fatalmente antes da posse, Collor foi compelido a renunciar. Resultados diversos, mas o fato de cada um desses presidentes não haver terminado o mandato teve enormes custos para todos os brasileiros e para o País.

Não nos iludamos, investidores, empresários e governos estão discutindo e pensando nisso hoje. Eles montam estratégias e tomam decisões que afetam o futuro dos brasileiros pensando na próxima Presidência. Construir fábricas ou não, criar ou não empregos, financiar grandes obras ou não: essa é a agenda dos investidores agora. Só no Brasil não se fala no assunto. Fingimos que não existe.

Durante o governo Fernando Henrique Cardoso fiz uma palestra para o conselho mundial de um banco multinacional. Tinha 12 minutos para falar sobre política e cenários brasileiros e 5 para perguntas e respostas. Quando terminei, um dos presentes me perguntou: "O que aconteceria no Brasil se o presidente Fernando Henrique morresse durante o mandato?"

Respirei fundo. Pensei dois segundos, que pareceram uma eternidade. "Nada, o vice-presidente Marco Maciel assumiria e continuaria tudo sem nenhuma mudança significativa em política ou economia." Percebi micromovimentos de relaxamento em todos os rostos e corpos. O ar ficou mais leve. O mesmo senhor que fez a pergunta agradeceu a resposta: "Muito obrigado. Era isso que precisávamos saber." E a reunião foi encerrada, para alívio geral.

Não vi isso numa bola de cristal e claro que aqueles senhores e senhoras não tomaram a decisão de investir mais no Brasil apenas pelo que eu disse. Reuniram-se com muita gente e fizeram a mesma pergunta a outros interlocutores.

O fato concreto é que a possibilidade de morte de qualquer chefe de Estado é uma preocupação fundamental para todos. Não interessa à maioria das pessoas que eles morram durante o mandato. Qualquer mudança não prevista de mandatário principal, no mundo moderno, gera incertezas, com custo altíssimo para todos. Por isso governos gastam fortunas para proteger governantes contra assassinatos e atentados. Sua morte custa caríssimo, pelo menos até que a nova situação se estabilize.

A versão de Carlos Heitor Cony está em Quem matou Vargas, na hesitação do analista John Bathurst-Pithard, em 8 de outubro de 1951, quando, finalmente, marcou no quadradinho de seu formulário "MAU", para o Brasil. A versão cinematográfica está em O Poderoso Chefão (parte 2), quando Al Pacino, empresário do jogo e do crime, passa pelas ruas de Havana no fim do governo Batista, vê protestos e pessoas sendo presas violentamente por patrulhas militares.

Tanto Bathurst "viu" a morte em Getúlio numa foto em que aparecia seu guarda-costas Gregório Fortunato como Michael Corleone "viu" que alguma mudança não planejada estava no ar em Cuba. Ambos mudaram seus planos de investimento.

Quanto a Tancredo, não se sabe se ele escondeu ou se esconderam dele que poderia terminar numa mesa de operação em breve. O fato é que foi eleito e estava, tecnicamente, pronto para tomar posse. A derrocada de Collor começou com a entrevista de seu irmão Pedro à revista Veja, em que ele dizia coisas pouco airosas do presidente. Em ambos os casos, muitas pessoas, talvez a maioria, não queriam que eles saíssem do governo antes do fim do mandato previsto.

O fundamental em análise de risco político é ter clareza para ver a diferença entre o que queremos (ou não queremos) que aconteça e aquilo que realmente tem alta probabilidade de vir a ocorrer.

As interpretações são diferentes. No episódio da queda de Collor e ascensão de Itamar Franco, pelo menos um grande investidor leu as mesmas coisas que todos, conversou com as mesmas pessoas, mas previu que a bolsa de valores iria subir muito durante o governo Itamar. Sua aposta estava certa, mas isso não era o que a maioria pensava.

O fato concreto é que, independentemente de nossos sentimentos, crenças e desejos, ou do que vai ou não vai acontecer com a candidata e eventual presidente Dilma, nenhum partido ou líder tem o direito ético de empurrar 185 milhões de brasileiros para o possível desperdício dos sacrifícios que todos fizemos durante os mandatos de Sarney, Collor, Itamar, Fernando Henrique e Lula, em nome de interesses pessoais, partidários, caprichos, desejos ou crenças.

O que está em jogo não são as qualidades ou os defeitos da ministra Dilma, sua competência maior ou menor ou a admiração que tenhamos ou não por ela. Trata-se dos custos que a evolução da saúde da ministra poderá ter para todos os brasileiros.

Correremos o risco de viver anos em sobressalto, porque crises, depois que começam, adquirem dinâmica própria. Nem sempre sabemos quando e como elas começam. E nunca sabemos quando nem como terminam.

Crises acontecem. Algumas são previsíveis; outras, não. Algumas podem ser evitáveis; outras, não. Levar adiante a candidatura da ministra Dilma Rousseff pode ser entrar numa crise previsível, de desfecho completamente desconhecido, mas que pode ser muito caro para todos os brasileiros.

Alexandre Barros, cientista político (Ph.D., University of Chicago), é diretor-gerente da Early Warning: Análise de Risco Político (Brasília) E-mail: alex@eaw.com.br