Título: As CPIs funcionam?
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Fonte: O Estado de São Paulo, 01/06/2009, Notas & Informações, p. A3

Ninguém negará que as Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) são um importante instrumento que permite aos legítimos representantes da sociedade desempenhar uma de suas mais relevantes funções - a de fiscalizar o governo e investigar o comportamento de entidades, inclusive empresas, que se relacionem com a coisa pública ou tenham algum grau de comprometimento com o interesse público, zelando pelo bom cumprimento das leis e pela correta aplicação dos recursos arrecadados dos contribuintes, que são patrimônio de todos. Acima de tudo, as CPIs se destinam a resolver problemas e propor soluções de interesse da sociedade - embora muitos só as vejam como instrumentos de indiciamento e punição de faltosos, o que significa uma indevida limitação conceitual de suas funções.

Assim, o que importa mais questionar, ao fazer-se uma retrospectiva das CPIs instaladas no Congresso Nacional nos últimos anos - como fez reportagem publicada no Estado de quarta-feira -, é se estas têm, de fato, cumprido seus verdadeiros objetivos. As 10 CPIs instaladas no Congresso desde 2003, por sinal, com grande repercussão, têm uma característica comum - a dispersão. Em cada uma delas tratou-se de tudo um pouco, ouviu-se um batalhão de depoentes - acusados, testemunhas, defensores, acusadores - e acumularam-se montanhas de documentos. Mas, justamente porque os esforços não foram concentrados na investigação do "fato determinado" que deu origem à CPI, na maioria das vezes os seus resultados finais foram pífios.

Algumas dessas CPIs chegaram a ter final, de fato, melancólico. As CPIs dos Transgênicos, das Privatizações e das ONGs, por exemplo, de pouco serviram e seus relatórios nem chegaram a ser votados. A das ONGs, que já teve duas versões - em 2001 e em 2006 -, passa agora por uma terceira tentativa de apurar repasses suspeitos de verbas federais e até conta com o otimismo de seu relator, que espera desta vez torná-la bem-sucedida.

Entre as CPIs decepcionantes também está a dos Cartões Corporativos, cujo relatório foi aprovado, mas nem produziu consequências severas para tantos que fizeram muito mau uso de dinheiro público - com exceção da queda da então ministra da Igualdade Racial, que funcionou como uma espécie de "bode expiatório" do escândalo e acabou acusada de improbidade administrativa pelo Ministério Publico Federal - nem coibiu o uso liberal dos cartões.

Reconheça-se, é verdade, que houve CPIs que produziram indiciamentos e resultaram em projetos de lei destinados a sanear os problemas investigados. É o caso da dos Correios, que também derrubou ministros e levou à cassação de dois deputados envolvidos com o famigerado mensalão. A CPI do Apagão Aéreo indiciou 17 pessoas e levou à apresentação de projeto de lei que introduziu mudanças importantes na Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). A CPI dos Bingos, que chegou a ser chamada de "CPI do fim do mundo" - de tal forma foi além da investigação inicial que era seu objeto -, acabou descobrindo um cabeludo esquema de corrupção envolvendo um ex-subchefe da Casa Civil, mas o inquérito policial dela resultante continua aberto, sem definições.

Não se pode deixar de mencionar o aspecto da espetacularidade das CPIs que correm na Câmara e no Senado e seus inevitáveis reflexos eleitorais - principalmente porque suas sessões são transmitidas pelos canais de televisão do Legislativo e, no caso das mais rumorosas, por emissoras independentes de rádio e televisão.

Em grande parte das vezes, a impressão que se tem, quando parlamentares interrogam depoentes nas CPIs, é que ali foi montado um espalhafatoso palanque eleitoral. Nesses casos, parece que a apuração real dos fatos é o que menos interessa, ante a possibilidade de ferretear-se adversários políticos nas sessões de CPIs. É claro que, nesses casos, ocorre um evidente desvirtuamento de função desse importante instrumento do Legislativo.

Por ocasião do lançamento do chamado 2º Pacto Republicano - celebrado pelos chefes dos Poderes em abril - falou-se na necessidade de regulamentação da atuação das Comissões Parlamentares de Inquérito, tendo em vista fazê-las funcionar com mais objetividade. Não se tem mais falado do assunto - mas já está mais do que na hora de voltar-se a ele.