Título: Coreia do Norte quer impor acordo de paz aos EUA, dizem analistas
Autor: Trevisan, Cláudia
Fonte: O Estado de São Paulo, 31/05/2009, Internacional, p. A14

Com a saúde fragilizada, Kim Jong-il usa programa nuclear como garantia de continuidade do regime comunista

Cláudia Trevisan

A recente escalada retórica e militar da Coreia do Norte deixa claro que o país dirigido pelo ditador Kim Jong-il continuará com seu programa nuclear, que deverá ter como próximos passos um novo teste atômico e o desenvolvimento de mísseis balísticos de longo alcance, afirmam especialistas ouvidos pelo Estado.

A rapidez com que os fatos recentes se sucederam mostra ainda que Kim tem pressa. Aos 67 anos e com a saúde fragilizada, ele teria como objetivo principal garantir a continuidade do regime comunista, para o qual o poder de dissuasão das armas nucleares seria essencial.

Ao fortalecer seu poderio militar, os norte-coreanos tentam forçar os EUA a negociarem um acordo de paz que coloque um fim formal à Guerra da Coreia (1950-1953), que terminou com uma trégua - tecnicamente, os dois países ainda estariam em confronto. O tratado teria a garantia de que a Coreia do Norte não seria invadida pelos americanos.

"Kim Jong-il quer normalizar o relacionamento com os EUA enquanto estiver vivo e quer que a questão da Coreia do Norte suba para o topo da agenda externa do presidente Barack Obama. Ele não está blefando", disse ao Estado o professor Phillip Park, do Instituto de Estudos do Extremo Oriente da Universidade Kyungnam, da Coreia do Sul.

Segundo ele, Pyongyang vê os EUA como o maior obstáculo para seu desenvolvimento econômico e político, além de ser a principal ameaça externa ao regime totalitário.

Geun Lee, professor da Universidade Nacional de Seul, está convencido de que a Coreia do Norte pretende obter o status de potência nuclear e assumir uma posição similar à do Paquistão. "Será muito difícil convencê-los a abandonar seu programa com o uso de sanções ou resoluções do Conselho de Segurança da ONU", disse Lee.

Em sua opinião, o desenvolvimento do programa nuclear cumpre duas funções: evitar um ataque contra o país e fortalecer a posição do provável herdeiro de Kim Jong-il - seu filho Kim Jong-un - no processo de sucessão. "Ele busca segurança, tanto interna quanto externamente."

"Sob a ótica da Coreia do Norte, os benefícios com a continuidade do programa nuclear são maiores do que as perdas", afirma Shen Dingli, professor da Universidade Fudan, de Xangai. Para ele, o próximo teste atômico de Pyongyang ocorrerá em um prazo menor que os três anos que separaram o primeiro do segundo, realizado há uma semana. "Não é apenas uma necessidade técnica, mas também política", escreveu Dingli em artigo publicado no jornal Oriental Morning Post.

MÍSSIL BALÍSTICO

A mais recente explosão subterrânea da Coreia do Norte envolveu um artefato com potência estimada entre 10 e 20 quilotons, força comparável às bombas que os EUA jogaram sobre as cidades de Hiroshima e Nagasaki, em 1945. Além de um novo teste nuclear, o país também poderá lançar um míssil balístico intercontinental com capacidade de alcançar os EUA. Esse estágio daria a Pyongyang o poder de transportar uma bomba nuclear e direcioná-la a um alvo distante.

O primeiro míssil lançado pelo regime de Kim Jong-il, em 1998, alcançou 1.600 quilômetros. Em 5 de abril, o país disparou um foguete que voou cerca de 3.200 quilômetros e provocou a condenação do Conselho de Segurança da ONU. Para atingir o território continental americano, o alcance teria de ser de cerca de 10 mil quilômetros.

A probabilidade de uma guerra na região é considerada pequena, mas os analistas acreditam que poderá haver confrontos isolados no mar, como já ocorreu em 1999 e 2002, quando navios das duas Coreias se enfrentaram em curtas batalhas navais.

Na avaliação de Park, a guerra não é uma opção viável para os EUA, já que a Coreia do Norte teria condições de provocar danos em outras partes do mundo - um risco que Washington não pode correr. "Eles são um inimigo mais forte que o Afeganistão ou o Iraque e não têm medo do confronto."

O caminho que Park defende é a negociação direta entre Washington e Pyongyang para a normalização das relações entre os dois países e a assinatura de um tratado de paz. Essa trilha foi percorrida durante o governo Bill Clinton, que chegou a cogitar uma visita à Coreia do Norte, ideia abandonada em 2000 diante da oposição do então presidente eleito George W.Bush.

Apesar de ser favorável à negociação, Park avalia que a tese mais aceita em Washington hoje é a que defende "ignorar" a Coreia do Norte, já que o cenário atual continuará inalterado. "Se essa política prevalecer, acredito que a situação ficará cada vez mais difícil", afirmou Park.