Título: OEA revoga suspensão de 1962 e abre caminho para a volta de Cuba
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/06/2009, Internacional, p. A12

Retorno definitivo depende agora de iniciativa de Havana, que teria de se ?adequar? aos princípios da organização

Os 34 países-membros da Organização dos Estados Americanos (OEA) revogaram ontem a resolução que suspendeu Cuba da entidade em 1962. A moção de revogação foi aprovada por consenso na 39ª Assembleia Geral da OEA, em Honduras, e tem apenas dois artigos.

O primeiro diz que "fica sem efeito" a resolução de 1962, que expulsou Cuba com o argumento de que o sistema marxista da ilha e o fato de ela receber armas da União Soviética eram uma ameaça para a região. O segundo estabelece que, para os cubanos de fato voltarem à OEA, deve ser aberto um "processo de diálogo" por iniciativa de Havana "e em conformidade com as práticas, propósitos e princípios da organização".

"A Guerra Fria terminou hoje, em San Pedro Sula, e começamos uma nova era de fraternidade e esperança", disse o presidente de Honduras, Manuel Zelaya. Os EUA fizeram questão de dizer que o cancelamento da suspensão não significa a entrada automática de Cuba na OEA. "Não abrimos simplesmente os braços" para Cuba, disse em entrevista coletiva por telefone Dan Restrepo, diretor de assuntos de Hemisfério Ocidental. "O retorno de Cuba à OEA não é automático, é um processo que depende de uma movimentação do país para uma maior democracia."

Bastante aberta, a moção foi aprovada após muita discussão e com relativamente poucas concessões dos dois grupos que estavam nos extremos do debate - um liderado pelos EUA, o outro formado por países como Venezuela, Nicarágua, Bolívia e Equador. Além disso, por suas disposições serem vagas, os dois lados cantaram vitória.

No início dos debates, os EUA, apoiados pelo Canadá, exigiam que antes de qualquer aproximação, Cuba se mostrasse disposta a cumprir a Carta Democrática Interamericana, aprovada na OEA em 2001, soltando presos políticos, respeitando os direitos humanos e organizando eleições livres. Acabaram aceitando dar o primeiro passo apoiando a derrubada da resolução de 1962, mas conseguiram fazer com que isso não significasse um retorno imediato da ilha à entidade. O governo insiste que não se trata de uma mudança na posição dos EUA.

Segundo Thomas Shannon, secretário-assistente de Estado para Hemisfério Ocidental e indicado para embaixador no Brasil, por insistência da secretária de Estado Hillary Clinton, os países aceitaram modificar a resolução que tinha apenas quatro linhas e se restringia a readmitir Cuba. Por pressão dos EUA, teriam inserido a frase "e em conformidade com as práticas, os propósitos e princípios da organização", aludindo à necessidade de Cuba seguir a carta democrática da OEA.

"A resolução mantém a OEA fiel a seus princípios" e por isso os EUA teriam se sentido confortáveis em assiná-la, disse Shannon. Mas analistas e legisladores acharam que a frase foi muito vaga, não representa uma exigência real sobre Cuba e significou que os EUA abaixaram a cabeça para não entrar em conflito com os outros 33 países que apoiavam a resolução (mais informações nesta página).

O grupo dos "bolivarianos" queria a inclusão incondicional da ilha após a anulação da resolução de 1962. No fim, aceitaram que o texto exigisse um "processo de diálogo" e a necessidade de "conformidade" com os "princípios da OEA", mas também conseguiram evitar menções explícitas a direitos humanos ou democracia, o que permitirá uma interpretação diferente da dos EUA no futuro.

"Já não somos esses povos que eram arrastados e arrasados pelo império americano. Aqui há dignidade", comemorou o presidente da Venezuela, Hugo Chávez.

"Essa votação mostra que os EUA estão sendo forçados a escutar com mais atenção as preocupações da região", disse Dan Erikson, do instituto de pesquisas Diálogo Interamericano. "Mas complica os esforços de Cuba para apresentar a OEA como um instrumento do imperialismo americano."

AP, EFE E AFP. COLABOROU PATRÍCIA CAMPOS MELLO, DE WASHINGTON

DECISÃO AMBÍGUA

A decisão reinsere Cuba automaticamente na OEA?

Não. Havana deve pedir a abertura de um processo que será desenvolvido "em conformidade com as práticas, propósitos e princípios da OEA". Para os EUA, isso quer dizer que Cuba terá de soltar presos políticos, respeitar os direitos humanos e organizar eleições livres. Países como a Venezuela discordam. Para eles, o princípio de "autodeterminação" prevalece.

A Casa Branca cedeu em algum ponto?

Sim. Os EUA queriam que Cuba fizesse mudanças antes da revogação da resolução de 1962. Também não conseguiram incluir na nova moção menções ao respeito aos direitos humanos e à democracia.

E o grupo dos "bolivarianos", cedeu em que?

No ponto em que deve haver um processo para a reintegração de Cuba e a ilha deve obedecer a condições. Eles queriam sua volta imediata.

Cuba tem interesse em voltar para a OEA?

Autoridades da ilha dizem que não, mas podem querer tomar recursos do Banco Interamericano de Desenvolvimento.

Qual foi o papel do Brasil?

Propôs o grupo de trabalho que chegou ao consenso.