Título: Bem entendido
Autor: Kramer, Dora
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/06/2009, Nacional, p. A6

A CPI da Petrobras faz 20 dias hoje e, segundo consta, ainda não começou a funcionar porque a base do governo não se entende sobre a escolha do presidente e do relator.

Com todo respeito (in) devido à confiabilidade da palavra de suas excelências, não é o que parece. Pelo balanço da carruagem, parece mesmo é que a CPI atrasa porque a base do governo está se entendendo muitíssimo bem.

Briga interna de verdade é negada, quando muito, amenizada. Mas aqui se observa o contrário: um empenho quase ansioso dos governistas em revelar detalhes da aludida guerra.

Uma hora é o líder do PMDB no Senado, Renan Calheiros, que odeia o líder do PT, Aloizio Mercadante, outra é o petista que desanca o pemedebista, que intriga Mercadante com o presidente Luiz Inácio da Silva, que desautoriza o companheiro de partido e não se importa em ver o ministro das Relações Institucionais, José Múcio Monteiro, declarando que o bate-cabeça entre os aliados é realmente muito grave.

Isso tudo e ao Planalto não aflige o fato de a articulação política do governo no Senado ter virado uma baderna. Fala-se com a maior naturalidade de conversas fracassadas, de tentativas desastrosas de acertos, de ódios viscerais que até outro dia simplesmente não existiam.

Romero Jucá e Renan Calheiros, por exemplo: sempre tocaram de ouvido e de repente viraram inimigos.

O líder do PMDB alegara dificuldade para escolher os representantes na CPI por excesso de oferta, mas, de uma hora para outra, a motivação é oposta: falta mão de obra. Alguns senadores se recusam, outros são vetados pela ala adversária, uma dificuldade que nem a intervenção do presidente da República foi capaz de resolver.

Aliás, note-se que as divergências na base recrudesceram mesmo a partir na entrada de Lula na história, mandando cancelar um acordo com a oposição para a divisão do comando da CPI.

Desde então, a base se desorganiza no Congresso enquanto, na rua, os sindicatos organizados abraçam prédios em defesa da pátria aí entendida com sinônimo de Petrobrás.

Se alguma dúvida pudesse existir, a história do fogo amigo revelou-se de artifício na terça-feira, quando a CPI deveria abrir seus trabalhos. Não apareceu um governista, além do segundo suplente de senador Paulo Duque, para abrir e fechar a sessão na metade do tempo regulamentar.

Outra chicana dos governistas é a exigência da entrega do cargo de relator da CPI das ONGs, aberta desde 2007 e para a qual ninguém dá a menor bola.

Esses dois estratagemas executados em conjunto evidenciaram a unidade da base aliada na execução da tarefa de protelar o início da CPI. Até quando, é a questão.

Pode ser que seja só até hoje, conforme o prometido. Mas também pode ser que a pendenga se estenda, obrigando a oposição a recorrer ao Supremo Tribunal Federal.

Um caminho perigoso. Da outra vez em que isso ocorreu, quando os governistas se recusaram a indicar integrantes para a CPI dos Bingos (aquela do caso Waldomiro Diniz), a CPI demorou para sair e começou bem no meio do escândalo do mensalão. Agora, o risco é a CPI da Petrobrás acontecer em plena campanha eleitoral.