Título: Empresa entra na Esplanada com preços irrisórios e fatura R$ 40 mi
Autor: Colon,Leandro
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/06/2009, Nacional, p. A8

Contratos da Dialog, que misturam valores inexequíveis e de mercado, estão na mira de órgãos de controle

Leandro Colon

O segredo de uma das mais poderosas empresas do ramo de eventos do governo federal começa a ser desvendado: preços irrisórios, misturados a valores de mercado para vencer licitação - prática considerada ilícita por órgãos de fiscalização - em um ministério e, assim, ter acesso a praticamente toda a Esplanada. Somam-se a isso diretores com bagagem e influência na administração pública. Criada em 2004, a Dialog Comunicação e Eventos Ltda faturou R$ 40 milhões em menos de dois anos.

A Dialog ganhou fama após receber R$ 1,2 milhão para preparar, em fevereiro, o polêmico encontro de prefeitos que promoveu a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, preferida do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para sucedê-lo em 2010. Esse evento foi apenas uma pequena fatia do bolo. Desde agosto de 2007, a Dialog assumiu a organização de grandes promoções do governo federal, como os lançamentos de programas de crédito da agricultura familiar, do canal digital em São Paulo pela TV Brasil, a realização do seminário da Copa do Mundo de 2014, no Rio de Janeiro, e o aniversário de quatro anos do Ministério de Desenvolvimento Social. Algumas cerimônias contaram, inclusive, com a participação do presidente Lula.

Esse crescimento despertou a atenção do Tribunal de Contas da União (TCU) e da Controladoria-Geral da União (CGU), que estão investigando os contratos da empresa.

O COMEÇO

A porta de entrada para a Dialog foi uma concorrência vencida em agosto de 2007 no Ministério das Cidades para oferecer 239 itens relacionados à organização de eventos. O Estado teve acesso a esse contrato, prorrogado até agosto deste ano, por um valor de R$ 9 milhões anuais. Para vencer os adversários, a Dialog ofertou 105 itens com preços impraticáveis no mercado. A diária de oito horas do coordenador-geral foi oferecida a R$ 4,85, ou R$ 0,60 a hora. Mesmo valor para locutor, cerimonialista (responsável por toda a execução do evento), copeira, e outros serviços, como videoconferência, aluguel de veículos e auditório para três mil pessoas. A diária foi ainda menor para técnicos de luz e de computação: R$ 2,43.

Um detalhe, porém, chamou a atenção nas últimas semanas: no dia 26 de maio passado, a empresa apresentou valores de mercado, até mil vezes maiores, ao vencer uma licitação na Secretaria de Pesca semelhante à de 2007, no Ministério das Cidades. A reportagem obteve essa proposta da própria Dialog. A cotação de um coordenador-geral passou de R$ 4,85 para R$ 181,72, e o preço de um auditório atingiu R$ 3,7 mil, ante também R$ 4,85 no contrato de dois anos atrás. "A realidade do ramo de eventos mudou", alega Gabrielle Bennet, sócia da empresa.

LEGISLAÇÃO

Com a tática dos preços simbólicos, a Dialog apresentou a menor proposta global entre os concorrentes na pasta de Cidades: R$ 24 mil por dia de trabalho, 95% menos que os R$ 554 mil estimados pelo ministério.

Em troca das cifras irreais, a empresa entrou na administração pública para receber também pelos serviços com valores de mercado para recepcionista, intérprete, garçom, tradutores, filmagem, segurança, entre outros. A prática de misturar preços fora da realidade com valores verossímeis é considerada ilícita por TCU e CGU. O artigo 48 da Lei de Licitações (8.666/93) determina a desclassificação de quem propuser preços fictícios, chamados de "inexequíveis", sem condições de execução.

Mas não foi o que aconteceu. Esse foi apenas o primeiro passo da Dialog no governo Lula. O milagre da multiplicação dos contratos deu-se por um mecanismo legal chamado "registro de ata de preços": a planilha de custos de uma empresa vencedora de concorrência fica à disposição de outros órgãos para contratá-la sem licitação. Entra aí a experiência de uma boa articulação.

Dois dos três sócios da empresa têm bagagem no setor público. Gabrielle Bennet trabalhou por quatro anos no Ministério da Saúde e Benedito de Oliveira é ex-diretor e filho do dono da Gráfica e Editora Brasil, que faturou R$ 90 milhões do governo federal desde 2006. Em muitos casos, onde a gráfica está, a Dialog chegou logo depois.

SEIS MINISTÉRIOS

De agosto de 2007 para cá, seis ministérios, duas agências reguladoras, três secretarias especiais, três institutos, TV Brasil e a Advocacia-Geral da União optaram pelo caminho mais fácil: dispensaram a licitação para aderir a preços disponibilizados pela Dialog, principalmente os valores mais elevados. O resultado é um faturamento de R$ 40 milhões para a empresa.

Um exemplo de evento inserido nesse modelo de contratação contou com a presença do presidente Lula. Em 3 de julho do ano passado, ele anunciou com pompa, no Museu da República, em Brasília, o programa Mais Alimentos, de incentivo à agricultura familiar com uma oferta de crédito de R$ 13 bilhões. O governo pagou R$ 83 mil para a Dialog cuidar da recepção dos convidados, locação de equipamentos e até da UTI Móvel. Pela UTI, por exemplo, foram pagos R$ 48,52, valor oferecido apenas para Brasília. No restante do país, a empresa estabeleceu R$ 4,85. "Provavelmente, algum erro de digitação", justifica a dona da empresa.

CRITÉRIO

Em nota enviada ao Estado, o Ministério das Cidades alegou que o critério adotado para declarar a vitória da Dialog na licitação em 2007 foi o "menor preço global da planilha". Segundo a assessoria da pasta, a viabilidade da proposta da empresa foi comprovada "por amostragem". O ministério acrescentou que tomou cuidado para evitar fraudes, como exigir que os descontos nos preços fossem iguais para todos os serviços.

A reportagem procurou os órgãos públicos que aderiram aos preços da Dialog oferecidos à pasta de Cidade. Responderam os ministérios do Meio Ambiente, Desenvolvimento Agrário, Desenvolvimento Social e do Turismo, além da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), a TV Brasil e as secretarias especiais de Políticas de Promoção da Igualdade Racial e de Políticas para Mulheres. O argumento básico para a contratação da empresa foi o mesmo: permissão legal para optar pelos preços da Dialog. Todos os órgãos afirmaram desconhecer os indícios de preços inexequíveis.