Título: Valorização do real foi desastrosa
Autor: Trevisan, Cláudia
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/06/2009, Economia, p. B3
Presidente do BNDES não é contra o câmbio flutuante, mas diz que o Banco Central precisa buscar alternativas
Cláudia Trevisan
A valorização do real em 2007 e 2008 foi "desastrosa" e o Brasil precisa encontrar meios de evitar que se repita. A avaliação é do presidente do Banco de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Luciano Coutinho, que está em Pequim para participar do encontro de primavera do Institute of International Finance (IIF), entidade que reúne os grandes bancos de todo o mundo.
Ao criticar a valorização do real, Coutinho ressaltou que não estava defendendo o fim do regime de câmbio flutuante. Mas não indicou como os dois objetivos podem ser conciliados. "Essa é uma responsabilidade do Banco Central", disse ontem, ao Estado, depois de apresentar um painel sobre relações Brasil-China.
Na quinta-feira, o dólar estava cotado em R$ 1,95, abaixo do piso de R$ 2,10 que Coutinho considera razoável. Ele avaliou que o Brasil está entre os países que mais podem se beneficiar da recuperação da economia chinesa e ressaltou que a relação bilateral terá de transcender o comércio e incluir investimentos. Nesse terreno, seu principal objetivo é apoiar a entrada de empresas brasileiras competitivas na China.
"O Brasil já está no mercado chinês via exportação. O próximo passo é o investimento direto. No futuro, não vai dar para ser uma empresa global sem estar no mercado chinês." A seguir, a entrevista.
Qual seu grau de preocupação com a valorização do real?
Existe a preocupação real de que o Brasil encontre meios de evitar a apreciação excessiva que ocorreu em 2007 e 2008, que foi desastrosa porque induziu o setor exportador a optar por derivativos que provocaram prejuízos. Não é conveniente permitir a excessiva apreciação da taxa de câmbio. Uma cotação inferior a R$ 2,10 ou R$ 2,15 já não é estimulante. O Brasil tem um regime de câmbio flutuante e não estou propondo a sua extinção, mas sim meios que evitem a apreciação excessiva. Esse é um dos desafios. A excelente percepção do Brasil no mercado internacional acaba atraindo capital, o que aprecia ainda mais a taxa de câmbio.
Como evitar a apreciação e ao mesmo tempo manter o sistema de câmbio flutuante?
Essa é uma responsabilidade do Banco Central. A redução da taxa de juros é uma decisão importante nessa direção, na medida em que reduz o diferencial de juros em relação a outros países. A taxa de juro real do Brasil está se aproximando de 5% e podemos ambicionar ter uma taxa real de 4%.
Quais são os outros desafios para a economia brasileira?
O outro grande desafio é aumentar a taxa de investimentos. Antes da crise, estávamos caminhando para um volume de investimentos equivalente a 21% do PIB e o porcentual caiu de maneira acentuada no primeiro trimestre. Mas foi o fundo do vale e o investimento vai subir ao longo do ano. No segundo semestre começam os desembolsos em rodovias, ferrovias, petróleo e gás, energia e no projeto Minha Casa, Minha Vida. O consumo foi preservado e vai aumentar ao longo do ano. Esses fatores levarão à ocupação da capacidade produtiva e à retomada dos investimentos no quarto trimestre. O objetivo do governo é ter nos próximos anos uma taxa de investimentos de 23% a 24% do PIB, que, aliada ao aumento da produtividade, permitirá um crescimento anual de 6%.
Qual a importância da China para o Brasil?
A China se transformou no principal parceiro comercial do Brasil. É a economia que primeiro se recuperou e que tende a crescer de maneira vigorosa nos próximos três anos. Portanto, é uma oportunidade grande de recuperação das exportações brasileiras de commodities. O Brasil é uma das economias em melhor posição para aproveitar a recuperação chinesa. Há toda a área de minério, petróleo e gás, mas também das commodities do agronegócio. É absolutamente incontornável o aumento do peso da China no comércio exterior brasileiro nos próximos anos. Mas, além disso, nós queremos fortalecer a internacionalização das empresas brasileiras e ver a expansão de grandes empresas nacionais no mercado chinês, em todos os setores que são altamente competitivos, como o agronegócio e papel e celulose, por exemplo. O Brasil já está no mercado chinês via exportação. O próximo passo é o investimento direto. No futuro, não vai dar para ser uma empresa global sem estar no mercado chinês.
A indústria brasileira tem várias queixas contra o que classifica de concorrência desleal de produtos chineses e a China lidera de longe o ranking dos países contra os quais o Brasil tem medidas antidumping. É possível conciliar os conflitos comerciais com a cooperação em outras áreas?
A fricção comercial existe e tem que ser administrada. Ela não pode ser levada a um extremo que azede a relação bilateral. Nós temos que minimizar seu impacto desenvolvendo a competitividade brasileira e realizando negociações comerciais que enfrentem o protecionismo chinês. Os chineses são protecionistas e preferencialistas em suas estratégias. O Brasil não pode abdicar da estratégia de ser uma economia com uma base manufatureira importante e competitiva, inclusive nas tecnologias de informação, nas biotecnologias, na internacionalização do etanol. Nós temos que desenvolver nossas competências e naturalmente vamos entrar no saudável choque competitivo com a China. Nós brasileiros temos que ter clareza de nossos interesses, assim como os chineses têm clareza e coerência muito grande em torno de seus interesses.