Título: Para Jobim, punir militares é revanchismo
Autor: Mendes, Vannildo
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/06/2009, Nacional, p. A8

Ministro diz que Lei da Anistia promoveu reconciliação e perdoou excessos dos dois lados; OAB reage

Vannildo Mendes

O ministro da Defesa, Nelson Jobim, reacendeu um tema explosivo ao classificar ontem como "revanchismo" a ideia, defendida por setores do governo, de punir militares e agentes de Estado que praticaram tortura durante o regime militar (1964-1985). Em entrevista à Agência Brasil, ele disse que a Lei da Anistia, de 1979, promoveu ampla reconciliação nacional e perdoou os excessos cometidos dos dois lados.

"A questão hoje não é discutir se é a favor ou contra torturadores, mas se podemos ou devemos rever um acordo que foi feito pela classe política", afirmou.

As declarações do ministro provocaram imediata reação. "O que se busca, com o enquadramento de torturadores, é demonstrar que a ação abjeta que exerceram não configura ato político, mas crime comum, hediondo, de lesa-humanidade", afirmou o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto. A entidade moveu ação, prestes a ser julgada no Supremo Tribunal Federal (STF), que contesta a prescrição e pede a responsabilização de crimes de tortura. "Puni-los não fere a anistia, cuja essência é política", enfatizou Cezar Britto. "Anistia não é amnésia e um povo que não conheceu seu passado está condenado a repeti-lo."

A ação da OAB contesta o artigo 1º da Lei da Anistia, que considera como "conexos" - portanto perdoados - os delitos "de qualquer natureza", como tortura, relacionados aos crimes políticos. O tema divide o governo em posições radicais. O advogado-geral da União, José Antônio Toffoli, deu parecer considerando que o perdão previsto na Lei da Anistia contempla os crimes cometidos pelos dois lados. Além disso, as ações dos agentes da repressão estariam prescritas.

Alinham-se a Toffoli, além de Jobim, vários ministros, inclusive Dilma Rousseff (Casa Civil), pré-candidata do PT à sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ela própria ex-guerrilheira e vítima de tortura durante o regime militar.

Em linha oposta, os ministros Tarso Genro (Justiça) e Paulo Vannucchi (Direitos Humanos) entendem que tortura é crime comum - não político - e seus autores não podem ser beneficiados pela anistia. A discussão transformou-se em bate-boca público no fim do ano passado e Lula exigiu que seus auxiliares baixassem o tom e deixassem a questão restrita ao âmbito da Justiça.

Políticos e grupos defensores de direitos humanos fazem campanha para que o STF permita a punição de torturadores. Mas Jobim entende que essa opção seria um equívoco. "Se o Supremo decidir que a Lei de Anistia não é bilateral, o que eu não acredito, terá de enfrentar outro assunto: a prescrição." Ele reconheceu que tratados internacionais consideram alguns crimes imprescritíveis, mas disse que isso não vale no Brasil. "Tratados internacionais aqui não valem mais que a Constituição brasileira, que dá imprescritibilidade para um crime só: o de racismo."