Título: Copom surpreende mercado e corta Selic em 1 ponto, para 9,25%
Autor: Nakagawa, Fernando
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/06/2009, Economia, p. B1

Taxa fica em 1 dígito pela primeira vez na história e BC avisa que, se houver nova redução, ela será ?mais parcimoniosa?

Fernando Nakagawa, BRASÍLIA

O Banco Central (BC) surpreendeu o mercado ontem. Contrariando a maioria das previsões, a instituição manteve o ritmo de alívio na política monetária e cortou o juro básico da economia (Selic) em 1 ponto porcentual, para 9,25% ao ano. A maioria das previsões apontava redução de 0,75 ponto. Com o quarto corte seguido, o Brasil passa a ter Selic de um dígito pela primeira vez desde que a taxa foi criada, em 1986. As próximas decisões, porém, devem ser mais comedidas. Em nota, o BC disse que passará a agir de maneira "mais parcimoniosa".

A decisão não foi consensual. Dos oito votos, seis foram favoráveis a 1 ponto e dois optaram por 0,75 ponto. A manutenção do ritmo do corte praticado em abril foi, segundo o BC, tomada "tendo em vista as perspectivas para a inflação".

Em outras palavras, o BC avalia que há espaço para um corte agressivo porque a inflação está dentro da meta de 2009 (4,5%) e também para 2010 (também de 4,5%), levando em conta as expectativas dos analistas ouvidos pelo banco na pesquisa Focus.

Em uma nota maior que a habitual, o BC lembrou que o corte "tem efeitos sobre a atividade econômica e a dinâmica inflacionária que se acumulam ao longo do tempo". Com isso, "o Comitê afirma que qualquer flexibilização monetária adicional deverá ser implementada de maneira mais parcimoniosa".

A expectativa de um corte de 1 ponto perdeu força entre os analistas após a divulgação de números melhores que o previsto sobre o PIB, na terça-feira. Além disso, analistas citavam declarações do presidente do BC, Henrique Meirelles, de que a economia o pior da crise foi deixado para trás.

Desde a criação da Selic, em 1986, o Brasil nunca conviveu com taxas de um dígito. Principal referência para os títulos da dívida pública, o juro sempre foi encarado um dos vilões da economia brasileira. Há seis anos, em 2003, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou a dizer que a taxa de um dígito era um "sonho da equipe econômica". Na época, estava em 26%.

O juro de um dígito vai, a partir de agora, impor cautela ainda maior à autoridade monetária. Primeiro, porque o Brasil passa a operar com juros em um nível desconhecido para a realidade do País. Não se sabe, por exemplo, o efeito sobre os contratos que têm variação indexada. Segundo, porque os novos cortes, por menores que sejam, passam a ser cada vez mais relevantes proporcionalmente.

"Com a economia se recuperando, o processo de corte do juro será interrompido brevemente", diz o professor de economia da USP Márcio Nakane. "Mas, mais importante que o simbolismo da taxa de um dígito, é o juro real próximo de 5%. Isso se torna um problema porque temos parte da economia muito indexada. Ainda há uma série de operações com remuneração predeterminada, como a poupança, empréstimos habitacionais e a remuneração do Fundo de Garantia. É um obstáculo para a continuidade da queda do juro", diz o professor.

Para Nakane, as decisões que o governo anunciou que tomará sobre fundos de investimento e a poupança são apenas paliativas. "Não resolve porque a regra não foi alterada."

Durante uma década, o BC não adotou oficialmente uma taxa de juro. O nível era determinado conforme os negócios com títulos públicos. Nesse período, o juro anualizado atingiu a incrível marca de 438.769%, em fevereiro de 1990. Naquele mês, a inflação foi de 82,4%. Anualizada, a alta dos preços foi de 135.422%.

Até meados de 1994, poucos meses tiveram taxa de dois dígitos. Boa parte do período contou com juros na casa das centenas ou milhares. Foi apenas após o controle da inflação, com o Plano Real, que o juro caiu para o nível de dois dígitos, que prevaleceu até ontem. Desde 1996, quando o Copom começou a decidir oficialmente a taxa, o pico foi em fevereiro de 1999, após a maxidesvalorização do real, quando atingiu 45%.