Título: Uma boa ideia de Lula
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/06/2009, Notas & Informações, p. A3

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva manifestou o desejo de tornar permanente a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) cobrado sobre veículos. Os bons efeitos da medida foram evidenciados, mais uma vez, nos últimos meses, quando o governo recorreu a incentivos fiscais para atenuar o impacto da crise financeira. Graças ao corte do imposto, o setor automobilístico atravessa a recessão, até agora, com danos menores do que teria sofrido, certamente, sem a diminuição da carga tributária. Também os fabricantes de aparelhos domésticos da chamada linha branca foram beneficiados com facilidades fiscais. Com preços mais atraentes, os consumidores foram às compras. A sustentação do consumo privado é uma das principais explicações para a contração econômica, no primeiro trimestre, menos severa do que estimava a maioria dos analistas.

Os bons efeitos do alívio fiscal levaram o governo a prorrogar por três meses, até o fim de junho, o incentivo ao setor automobilístico. Estuda-se agora no Ministério da Fazenda uma forma de preservar algum estímulo até o fim do ano, com uma elevação gradual do IPI até o nível anterior ao corte.

Mas será difícil, segundo técnicos da equipe econômica, manter integralmente o estímulo concedido nos últimos meses, porque a crise, ao reduzir a arrecadação, diminui também o espaço de manobra da política econômica. Resta, portanto, descartar como desinteressante a ideia lançada pelo presidente da República? Ao contrário: é preciso levá-la a sério. Vamos aproveitar a oportunidade para reabrir a discussão mais geral sobre a reforma tributária.

Afinal, a redução de impostos indiretos produziria boas consequências em qualquer setor - automobilístico, eletroeletrônico, têxtil ou de joalherias, por exemplo. Em qualquer caso, contribuiria para elevar o consumo, a produção e a geração de empregos. O presidente pode ter-se impressionado com os efeitos no setor automobilístico, de importância evidente por seus vínculos com outros segmentos da produção. Mas o excesso de tributação não é problema setorial. Toda atividade produtiva no Brasil é taxada em excesso e, além disso, o sistema de impostos e contribuições é profundamente irracional.

O empresário brasileiro paga tributos, por exemplo, quando compra máquinas e equipamentos para aumentar o potencial de produção de sua companhia. Essa é uma condição anormal, pelos padrões internacionais. Capacidade produtiva é um fator de competitividade - e a capacidade de competir é hoje um fator essencial para a multiplicação e, na pior hipótese, a manutenção de empregos. Empresas não competitivas tendem simplesmente a desaparecer, exceto em economias fechadas e condenadas ao atraso e à pobreza.

É preciso, portanto, mexer em dois aspectos da tributação. É necessário reduzir seu peso geral sobre a economia. Uma carga tributária próxima de 40% do Produto Interno Bruto (PIB) é incompatível com o estágio de desenvolvimento do Brasil. Quanto a esse aspecto, o País está em clara desvantagem no confronto com outros emergentes. Mas, para reduzir a carga, será preciso tornar o gasto público muito mais austero e mais eficiente.

Em segundo lugar, é preciso tornar os tributos mais funcionais, isto é, mais compatíveis com uma economia diversificada, com uma grande indústria e uma exposição crescente à concorrência internacional. É indispensável diminuir a carga fiscal sobre o investimento, a produção e a exportação. Volta-se a discutir, no governo, a desoneração da folha de pagamentos, para atenuar os efeitos da crise. Seria muito melhor examinar o assunto como parte de uma estratégia de longo alcance.

O governo até hoje não propôs essa estratégia. Apresentou pela segunda vez um projeto de reforma tributária, mas não se empenhou em defendê-lo como elemento central de uma nova política. Esse projeto continua emperrado no Congresso e sujeito a ser deformado de acordo com os interesses de governadores e de políticos voltados para objetivos estreitos. Discussões em termos de interesses nacionais, no Brasil, dependem da liderança do Executivo. Sem isso, a reforma continuará emperrada e o governo não irá além de mudanças parciais na tributação. Algumas serão positivas, mas o conjunto continuará uma colcha de retalhos muito mal combinados.