Título: Camponês paga taxa para ter indenização
Autor: Recondo, Felipe
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/06/2009, Nacional, p. A9

Ex-servidor da Comissão de Anistia recebe 10% do valor

Felipe Recondo

Parte do dinheiro pago pelo governo aos camponeses perseguidos durante a Guerrilha do Araguaia está indo parar no bolso de um ex-funcionário da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça. Elmo Sampaio deixou o colegiado logo após o julgamento do seu próprio pedido de anistia, em 2002, e abriu uma consultoria para cuidar de processos que fossem levados a julgamento no ministério.

No acerto com alguns camponeses, 10% das indenizações são pagos a Sampaio. Mesmo não precisando de advogados ou representantes, os agricultores acabaram contratando seus serviços. A prática não é ilegal, mas fez integrantes da comissão acionarem o Ministério Público Federal em Marabá (PA) na semana passada.

"A Comissão de Anistia, no caso dos camponeses e em razão da possibilidade de desinformação, preocupou-se com o recebimento das indenizações. Por isso acionamos o Ministério Público e pedimos que acompanhe o recebimento das indenizações por cada um dos anistiados", afirmou o presidente da comissão, Paulo Abrão.

Sampaio foi anistiado por ter sido demitido da Petrobrás na década de 70, em função da militância no movimento estudantil. Recebeu mais de R$ 1 milhão de indenização e tem direito a prestações mensais vitalícias de R$ 8.299,36.

Se não há vedação para esses contratos, em acertos com outra clientela - ex-militares recrutados para combater a guerrilha - existem indícios de ilegalidades, conforme advogados consultados pelo Estado.

Sampaio também fechou contratos com ex-militares pelos quais ficava encarregado de contratar advogados para defendê-los na Justiça. De cada um deles, conforme relataram três ex-combatentes, Sampaio receberia 10% do valor da indenização e outros 20% repassaria aos advogados.

CONFIRMAÇÃO

Um dos ex-militares que está com processo de anistia na Justiça Federal confirmou que "10% vai para a consultoria do doutor Elmo" e "os 20% são dos advogados que a consultoria contrata". Outro ex-militar reiterou que "quem paga os advogados é a consultoria". Nesse grupo, haveria mais de 300 processos. Em cada um, os ex-militares pedem aproximadamente R$ 500 mil de indenização.

De acordo com os advogados, essa prática caracterizaria captação de clientela, o que é vedado pelo Código de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e pelo Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/94). Sampaio arregimentaria clientes e subcontrataria os advogados, conforme os próprios clientes.

Além desse procedimento, outra prática chamou a atenção de advogados - as iniciais de alguns dos processos acompanhados por Sampaio são iguais, independentemente das circunstâncias de cada caso. Em sete processos analisados pelo Estado, o histórico, o relato dos fatos e os pedidos estão repetidos.

DEFESA

O administrador assume a prática de contratação dos advogados, mas nega irregularidades. "O trabalho da Elmo Consultoria é contratar os advogados para trabalhar", afirmou Sampaio. "O contrato firmado é com a Elmo Consultoria para cuidar dos processos dos militares", acrescentou o administrador, negando-se a revelar os porcentuais acertados. "Eu não tenho que dar informação pra você."

"A Elmo Consultoria é uma empresa regularmente constituída, presta serviços de consultoria e tem nos seus quadros advogados, administradores e estagiários", disse Eduardo Souza, advogado da consultoria.