Título: Bric, allegro ma non troppo
Autor: Barbosa,Rubens
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/06/2009, Espaço Aberto, p. A2

Grupos ou organizações, em geral, são formados por Estados a partir de interesses comuns, laços históricos, culturais ou geográficos. No caso do Bric, a iniciativa conceitual partiu de um economista do Goldman Sachs que, em 2001, produziu um trabalho pensando no grande mercado que os países desse grupo poderiam representar para seus clientes no futuro.

O mundo atravessa um momento de grandes transformações e ajustes. O cenário internacional passa por uma fase de transição, a começar pelos EUA, com a eleição de Barack Obama. Uma nova ordem política e econômica está em gestação. Como ocorreu outras vezes, nesses momentos costuma surgir um vácuo de liderança, abrindo espaço político para novas composições e alianças internacionais.

O Brasil - que é o país que mais se beneficiou, do ponto de vista da projeção externa, desse exercício - aproveitou a oportunidade e propôs, em 2008, uma primeira reunião do quarteto em nível de ministros do Exterior. Em seguida, à margem da reunião do G-20 em abril, em Londres, os presidentes dos quatro países se encontraram e marcaram a primeira reunião de cúpula, agora realizada. A inclusão do Brasil ao lado da China, da Rússia e da Índia significou um salto qualitativo na percepção sobre o País, que passou a ser visto e reconhecido como um mercado emergente com capacidade de influir na economia global, antes de ter o peso da China e da Índia.

O Brasil é o único país que tem uma relação político-diplomática e econômico-comercial fluida com todos os membros do Bric. Razões históricas ainda tornam cautelosa a aproximação entre a Rússia, a China e a Índia. A construção de um clima de confiança entre eles é um processo demorado, que será testado de tempos em tempos. A participação num mesmo grupo pode ajudar a alterar gradualmente essa situação. Por isso a iniciativa de levar adiante o processo de aproximação dos grandes países emergentes representou um passo importante da política externa brasileira. As reuniões do Bric passam a fazer parte das matérias relevantes na agenda externa do País, mas está longe ainda de desempenhar nela um papel central.

Cada país membro do quarteto tem uma percepção própria bastante diferenciada do significado do Bric hoje e qual o futuro do grupo. Talvez isso pouco importe, pois, o que conta é a realização da reunião e a imagem coletiva dos quatro presidentes, que representam 15% do PIB global, 15% do comércio internacional, 40% da população do planeta.

O governo russo, de seu lado, estava mais interessado em dar realce, no mesmo dia, à reunião da Organização de Cooperação de Shangai (OCS), que inclui, desde 2001, a China, a Rússia e quatro países da Ásia Central (Casaquistão, Usbequistão, Tajiquistão, e Quirguistão), além do Irã, na qualidade de observador. Ao contrário do Bric, o foco da OCS é político e o encontro serviu para relembrar aos EUA que "a Ásia Central (onde há bases americanas) não é um quintal de Washington" e que "os EUA serão bem-vindos, desde que a Rússia e a China estejam de acordo", no dizer de influente analista russo. A busca de novas alianças, como o Bric, num mundo multipolar vai continuar, mas nessa ocasião, do ponto de vista de Moscou, o encontro mais importante foi o da OCS.

O que une os países do Bric é a importância de suas economias no contexto global e suas aspirações com vista a aumentar seu peso nos principais fóruns de decisão internacionais. Uma das convergências é o sentimento de que os EUA não devem mais ser a peça dominante na esfera global. Poucos, contudo, são os interesses comuns, em razão dos diferentes contextos geopolíticos e geoeconômicos. As diferenças entre os quatro países podem ser identificadas tanto nos temas globais (utilização da energia, mudanças de clima, meio ambiente, democracia) como na área comercial (protecionismo e tensões comerciais regionais, como a existente entre a China e a Índia). Mas, sobretudo, na área política: Índia, China e Rússia são potências nucleares e têm projeção diplomática e militar que vai além de seus âmbitos regionais, enquanto, nos dois casos, o Brasil está longe de alcançar esse status.

O Bric deve ser visto como um novo personagem na cena internacional, que levará tempo para encontrar o tom exato de seus pronunciamentos e a forma de se inserir no mundo.

Quem resumiu de maneira mais precisa a situação atual do Bric foi o vice-ministro do Exterior da Rússia, ao assinalar que "o grupo está no estágio muito inicial de evolução". Nesta fase o Bric tem mais um valor simbólico do que poder real para influir no curso dos acontecimentos. Sua voz, porém, começa a ser ouvida, como ficou evidenciado pela cobertura da mídia internacional.

Não parece adequado considerar ainda o Bric um ponto focal da política externa brasileira, nem decretar a morte do G-7/8, que continuará vivo por algum tempo.

Em conclusão, o que se pode dizer com objetividade e isenção é que o quarteto não é um ator de primeira linha, mas não há dúvida de que veio para ficar e gradualmente deverá afirmar-se, encontrando um objetivo - talvez de coordenação na área econômica -, que não tem. A médio e a longo prazos, deixará de ter um valor simbólico e de ser visto mais como uma abstração para passar a ser levado a sério, na medida em que os maiores países emergentes fizerem sentir seu peso e sua influência na economia global. A participação do Brasil no quarteto fará a política externa ser mais realista e propositiva na defesa de nossos interesses, como fazem a China, a Índia e a Rússia. Mais pragmatismo e menos ideologia é o que se espera, como demonstrado pelo presidente Lula, que conseguiu trazer para o Brasil a próxima cúpula do Bric, encerrando em grande estilo o seu governo, em 2010.

Rubens Barbosa, consultor de negócios, é presidente do Conselho de Comércio Exterior da Fiesp