Título: Em nome do futuro do Senado
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Fonte: O Estado de São Paulo, 25/06/2009, Notas & Informações, p. A3

As demissões do diretor-geral do Senado, Alexandre Gazineo, e do diretor de Recursos Humanos, Ralph Siqueira, na esteira do escândalo dos atos administrativos secretos na Casa - em 14 anos, foram 663, dos quais pelo menos 250 para nomeações para cargos de confiança -, nem de longe representam o começo da faxina ética que a opinião pública cobra da outrora respeitada Câmara Alta. A primeira evidência disso está no processo de escolha dos nomes que os substituirão por um período mínimo de 90 dias. Ao que se saiba, nada desabona o assessor Haroldo Tajra, que ocupará o posto de Gazineo, nem tampouco a servidora Doris Marize Peixoto, que ficará no lugar de Siqueira. Mas, segundo a unanimidade dos observadores políticos, eles foram pinçados no bojo de um arranjo de conveniências para segurar o senador José Sarney na presidência da Casa e ao mesmo tempo permitir que mantenha, embora em parceria, o controle sobre a cúpula do vasto estamento burocrático da instituição.

Vem de longe esse controle. Em 1995, ao assumir o primeiro dos seus três mandatos no comando do Senado, Sarney nomeou Agaciel Maia para a diretoria-geral. Ele era quem determinava quais decisões seriam publicadas e quais mantidas em sigilo, para que nada perturbasse a rotina da concessão de favores, distribuição de vantagens, criação de mordomias e outros negócios espúrios com dinheiro, ainda por vir à tona. Em março, ao se descobrir que escondia da Receita Federal ser dono de uma mansão de R$ 5 milhões - um pecadilho perto do retrospecto -, Sarney o induziu a deixar o posto. Mas continuam unha e carne. Agora, pressionado a remover Gazineo, o sucessor dele, Sarney se entendeu com o primeiro-secretário da Mesa, o democrata Heráclito Fortes, para que a seleção dos interinos ajudasse a consolidar o núcleo dirigente do Senado, integrado pela caciquia do PMDB, DEM e PTB. Haroldo Tajra trabalha desde 2001 na 1ª Secretaria, feudo do antigo PFL. Doris, ligada ao clã Sarney, foi chefe de gabinete da então senadora Roseana.

Giuseppe Lampedusa escreveu no romance Il Gattopardo que é preciso mudar alguma coisa para que tudo fique como está. "Tudo", no Senado, é o pacto de poder que elegeu Sarney. O esquema, avalizado pelo presidente Lula, só promoverá a higienização do Senado na medida em que não ponha em risco a permanência de Sarney na cadeira de mais alto espaldar da Casa. E ele - que no mínimo dos mínimos sabia do que se passava, anos a fio, nos seus subterrâneos - decerto ficará tão mais vulnerável quanto mais funda for a devassa nessa caixa-preta. Os atos secretos poderão se revelar a ponta de um iceberg de ilícitos envolvendo milionários contratos de compras e terceirizações na era Agaciel, como já indicam as primeiras sindicâncias. É ilusório imaginar que a instituição será passada a limpo de ponta a ponta e de alto a baixo. Mas ela nem em parte se reconstruirá se a varredura se contiver em limites inaceitáveis pela opinião pública. E isso é o que acontecerá, com toda a probabilidade, na gestão Sarney.

Na segunda-feira, Cristovam Buarque (PDT-DF) foi o primeiro de três senadores a sugerir que se licenciasse da presidência. No dia seguinte, emendou: "Não é mais caso de licença, mas de renúncia." É o que se impõe. Não como punição pela parte que certamente lhe toca nos escândalos, como a dezena de seus parentes e afilhados políticos nomeados ou exonerados em segredo - o que alega ignorar -, mas em nome do futuro da instituição. Sarney diz que não foi eleito para "cuidar da despensa ou para limpar as lixeiras da Casa". No entanto, mais do que nunca o Senado precisa de quem faça exatamente isso, começando por demitir o funcionário estável Agaciel Maia, arrostar as consequências na Justiça e se expor às eventuais represálias desse tipo que sabe do Senado tudo que vale a pena saber. Os atos secretos devem ser revogados, quaisquer que sejam as complicações judiciais que a medida acarrete - e a cadeia de responsabilidades estabelecida. O Tribunal de Contas da União deve ter todo o apoio para auditar os contratos da Casa.

O que está em jogo é enfrentar a "desgraça", para repetir o termo usado por Lula na sua segunda tentativa em uma semana de pôr panos quentes na crise do Senado e poupar o aliado Sarney. Ele acusou a imprensa de "predileção pela desgraça". A desgraça são os efeitos - divulgados pela imprensa - do baixo nível ético de tantos políticos brasileiros.