Título: Kirchner encerra campanha no conforto de reduto eleitoral
Autor: Marin, Denise Chrispim
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/06/2009, Internacional, p. A12

Candidato a deputado, ex-presidente argentino faz comício para 2 mil pessoas em La Matanza, na Grande Buenos Aires

Denise Chrispim Marin, BUENOS AIRES

O ex-presidente Nestor Kirchner buscou o conforto de um curral eleitoral para encerrar a campanha para as eleições parlamentares de domingo. No distrito de La Matanza, na Grande Buenos Aires, um gigantesco palco foi montado ao lado do Mercado Central para o comício no qual Kirchner criticou as posições em favor da privatização de estatais, que estão no centro da campanha do principal rival, o dissidente peronista Francisco De Narváez, da coalizão União-PRO.

Diante de uma plateia de cerca de 2.000 pessoas, Kirchner escudou-se na presença de sua mulher, a presidente da Argentina, Cristina Kirchner, e quase todo o gabinete para defender as estatizações feitas ao longo de sua gestão (2003-2007) e da atual. Ao tocar no polêmico fim do sistema privado de previdência, estatizado por Cristina, o candidato assumiu um tom de paternidade da ideia e admitiu que espera ver a Argentina "repetir o exemplo do Brasil", onde as aposentadorias criam um "círculo virtuoso".

Kirchner tentou, em seu discurso, responder a seus opositores, que ameaçam conquistar a maioria na Câmara e travar o governo de Cristina. Mas se preocupou especialmente em confirmar o voto que espera receber dos eleitores que mais se beneficiaram dos programas sociais criados em sua gestão. Para tanto, enfatizou o sucesso da estatal responsável pela rede de água e esgoto - necessidade ainda presente no cotidiano de La Matanza.

"A Aerolíneas é de todos os argentinos e sua maior rentabilidade é a integração", insistiu Kirchner, ao destacar o esforço de sua mulher, Cristina, para "recolher a companhia (aérea)da ruínas". A salvação da empresa dificilmente tocará a vida dos habitantes da periferia de Buenos Aires, mas Kirchner foi astuto ao abordar o aspecto nacionalista da medida - que custa, em média, mais de US$ 1 milhão ao governo.

O comício atraiu, em sua maioria, a população carente da região oeste da Grande Buenos Aires, onde favelas se proliferaram nos últimos dez anos. Empregada na Cooperativa Renascer, na favela de Palito, em La Matanza, Monica Giordini, de 30 anos, trabalhou ontem apenas meia jornada e, assim como os cerca de 250 companheiros de trabalho, tomou o ônibus providenciado pela prefeitura para seguir ao comício. Monica é funcionária de uma cooperativa. Pelo trabalho, ganha 600 pesos por mês (cerca de US$ 150), e como é mãe solteira de quatro crianças, recebe uma ajuda mensal de 300 pesos do Plano Família, provido pelo governo. Vive em uma casa de dois quartos, construída por outra cooperativa da vizinhança há cinco anos, que ainda não começou a pagar.

"De Narváez não sabe o que é viver numa favela", afirmou, ao defender a chapa do governo para a Câmara dos Deputados. "Kirchner, pelo menos, veio várias vezes aqui", rebateu, desconcertada, ao ser questionada se o ex-presidente saberia o que é viver na favela.

Marco Antonio Barraza, de 32 anos, foi um raro espectador que compareceu com seus próprios recursos ao comício, vindo da cidade de Lujan. Queria entregar uma carta a Kirchner, na qual pedia um emprego, mas desapontou-se com a organização do evento, que manteve a massa peronista distante do palco. "Já enviei um pacote de currículos e não tive resposta nenhuma. Sustento mulher e seis filhos fazendo bicos", afirmou Barraza, para emendar que, ainda assim, votará em Kirchner.