Título: Chávez, o derrotado em Honduras
Autor: Chacra, Gustavo
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/07/2009, Internacional, p. A14

Richard Gott *, THE GUARDIAN

O sequestro do presidente hondurenho, Manuel Zelaya, pelas Forças Armadas de Honduras, foi um clássico golpe de Estado latino-americano. "Faz lembrar os piores anos da história da América Latina", afirmou a presidente da Argentina, Cristina Kirchner, condenando o ato, assim como todos os outros governos da região (e da maior parte do mundo, incluindo os EUA). Os latino-americanos não esquecem das últimas décadas do século passado, quando ocorreram repetidos golpes militares, "guerras sujas" e foram inúmeros os "desaparecidos".

No século 21, os golpes seriam considerados ilegais. A democracia está na ordem do dia, e, com raras exceções, a norma tem sido obedecida.

Respaldando-se nesta lei não escrita, os elementos direitistas do Congresso, da Suprema Corte e das Forças Armadas de Honduras reivindicaram a legitimidade da campanha contra o líder esquerdista.

Zelaya, presidente desde 2006, é um improvável revolucionário. Proprietário de terras, pecuarista e dono de madeireiras, foi candidato do Partido Liberal, uma das duas legendas que controlaram o país na maior parte do século passado.

Nos anos 80, Honduras foi uma base financiada pelos EUA dos Contras, as forças paramilitares que inventaram uma guerra civil contra o governo sandinista da Nicarágua. A memória da "guerra suja" que matou centenas ainda é muito forte.

Poucos dos que votaram em novembro de 2005 poderiam imaginar que Zelaya, eleito com uma maioria tímida, teria um programa radical. Mas um homem reconheceu seu potencial, o venezuelano Hugo Chávez, sempre em busca de aliados em lugares improváveis. Chávez forneceu a Zelaya apoio financeiro e assessoria política, e o acolheu em sua Aliança Bolivariana das Américas (Alba).

Zelaya é uma figura estranha ao lado de radicais como Evo Morales, da Bolívia, e Rafael Correa, do Equador. Mas ele procurou introduzir o salário mínimo e mobilizar a maioria pobre. Seu sucesso foi suficiente para o presidente tornar-se alvo de violento repúdio por parte da elite tradicional.

O golpe representa um enorme desafio para Chávez. Alvo da violenta oposição da maior parte da imprensa da região, Chávez - que, no entanto, tem o respeito reticente da maioria dos governos latino-americanos - não pode permitir que seu protegido seja alvo de um golpe. O venezuelano não terá dificuldades em assegurar a condenação diplomática universal da ação dos militares hondurenhos (que tem todas as conotações do golpe por ele sofrido em Caracas, em 2002).

Mas é possível que uma reviravolta do golpe venha a ocorrer no contexto. A reunião de emergência da Alba, realizada em Manágua, poderá produzir um plano de ação, mas tudo dependerá do comportamento dos comandantes militares e do povo hondurenho.

Será que as reformas de Zelaya incitarão a maioria pobre a um levante? Ou o punho de ferro dos militares será o bastante para pôr fim à crise da boa e velha maneira latino-americana - com violência nas ruas e atrás de portas fechadas?

* Richard Gott é historiador, especializado na América Latina