Título: Zelaya anuncia retorno a Honduras
Autor: Chacra, Gustavo
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/07/2009, Internacional, p. A14

Líder deposto desafia ordem de prisão e terá companhia de Cristina Kirchner e Correa na volta ao país, amanhã

Gustavo Chacra, TEGUCIGALPA

Desafiando o governo autoproclamado de Honduras, o presidente deposto do país, Manuel Zelaya, anunciou ontem que pretende voltar ao território hondurenho amanhã, acompanhado do secretário-geral da OEA, José Miguel Insulza; da presidente argentina, Cristina Kirchner; do líder equatoriano, Rafael Correa, e outras autoridades internacionais, como o presidente de turno da Assembleia-Geral da ONU, o nicaraguense Miguel D?Escoto.

O ex-presidente do Congresso e atual presidente de facto de Honduras, Roberto Micheletti, ameaça prender Zelaya se ele desembarcar em Tegucigalpa. "Ele desrespeitou as leis", justificou. Uma ordem de prisão já foi emitida contra Zelaya.

O recém-empossado chanceler, Enrique Ortez Colindres, disse em entrevista à TV CNN que a Justiça de Honduras está pronta para julgá-lo por "violação da Constituição, narcotráfico, envolvimento em crime organizado e desvio de recursos milionários". Segundo o procurador-geral Luis Alberto Rubí, Zelaya pode ser condenado a até 20 anos de prisão.

O presidente venezuelano, Hugo Chávez, que já pôs suas tropas em alerta para ajudar Zelaya, afirmou ontem que a ONU teria de avaliar a necessidade de uma intervenção militar em Honduras se o presidente sofrer agressões ao voltar ao país.

Chávez também disse que não acompanhará Zelaya, Cristina, Insulza e Correa por "prudência". "Gostaria de ir ao lado de Zelaya, mas não devo, porque dizem que sou culpado de tudo. Minha presença pode ser usada como desculpa para cenários mais violentos", afirmou, acrescentando ainda que correria o risco de ser alvo de um franco-atirador.

Removido do cargo no fim de semana por militares e expulso para a Costa Rica, Zelaya busca conquistar apoio internacional para retornar à presidência.

Na ONU, ele afirmou que pretende exercer o cargo apenas até o fim de seu mandato, em 2010, e não disputará novas eleições. "Ninguém me julgou, ninguém me deu o direito de defesa no tribunal e tampouco disse qual crime eu cometi", afirmou. (Mais informações na página 15)

PROTESTOS

Em Tegucigalpa, ocorreram manifestações tanto de partidários do governo de facto quanto do deposto. Cerca de 5 mil hondurenhos protestaram contra Zelaya em uma das mais importantes praças da capital. Já os simpatizantes do presidente removido se concentraram em uma região próxima à residência presidencial. Mas a mídia local dava destaque apenas aos protestos contrários a Zelaya.

Restaurantes e redes de fast-food foram depredados nos últimos dias. Hoje, poucos abriram. O Hotel Marriott, considerado o mais luxuoso da capital, fechou por questões de segurança. Pichações por toda a cidade condenavam o golpe. Os soldados formavam correntes de segurança e armavam barricadas para tentar conter os manifestantes pró-Zelaya.

Muitas avenidas foram bloqueadas e havia pneus queimados por toda a cidade. Alguns manifestantes vestiam capacetes para enfrentar a polícia. Outros cobriam o rosto com máscaras distribuídas recentemente para conter a gripe suína. Um lenço vermelho também se tornou simbólico.

"Você precisa mostrar ao Brasil o que está ocorrendo aqui em Honduras", disse uma mulher de um movimento feminista que defendia o retorno de Zelaya. As declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva condenando a deposição de Zelaya tiveram destaque até em jornais ligados ao governo de facto, como o El Heraldo.

Participavam do protesto estudantes de classe média, jovens vestidos como boiadeiros, grupos feministas e sindicalistas. No avião de Atlanta para Tegucigalpa, o comandante anunciou que 40 missionários americanos cancelaram a viagem por causa do golpe e os passageiros poderiam ocupar as poltronas livres. O comissário de bordo, hondurenho, reclamou em voz alta que "os EUA não entendem que a população de Honduras não quer um Hugo Chávez no poder". O mesmo discurso foi usado por parlamentares em entrevistas em emissoras hondurenhas. No avião, o comissário foi vaiado por alguns passageiros.

HISTÓRIA DO GOLPE

Nos últimos meses, a relação de Zelaya com o Congresso, a Suprema Corte e as Forças Armadas se deteriorou bastante. Eleito com uma plataforma conservadora, o presidente deposto aos poucos se aproximou de Chávez e de outros governos de esquerda da América Latina. Além disso, tentou promover um referendo para permitir a reeleição presidencial.

Sem acordo, os militares, amparados pelo Congresso e membros do Judiciário, organizaram o golpe e, na madrugada de domingo, retiraram o presidente da cama, de pijama, e o enviaram para a Costa Rica. Foi o primeiro golpe militar na América Central em 16 anos.

O governo autoproclamado diz ser amigo dos EUA e culpa a amizade de Zelaya com Chávez pela crise. O presidente americano, Barack Obama, porém, já afirmou que considera a situação do país "ilegal".

Em entrevista à agência Associated Presse, o presidente de facto disse ontem que não deixará o cargo, apesar da pressão internacional. "Fui nomeado pelo Congresso, que representa o povo hondurenho", declarou Micheletti.