Título: Aos 15 anos, real ainda não venceu indexação
Autor: Justus, Paulo
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/06/2009, Economia, p. B6

Correção automática de preços responde por 15% da inflação atual

Paulo Justus

O aniversário de 15 anos do Plano Real, dia 1º de julho, marca o sucesso na luta pela estabilidade dos preços no País. O combate à inflação, no entanto, não acabou e ainda exige reformas, segundo o professor de economia Heron do Carmo, da Universidade de São Paulo (USP), especialista no acompanhamento de preços.

Ele diz que o principal problema relacionado à inflação atual é a indexação ainda existente na economia, uma herança dos tempos de reajustes constantes nos preços. De acordo com estimativa do economista, esse fator é responsável por 15% da inflação brasileira hoje.

Por meio da indexação, as contas de telefone, de luz e os contratos de aluguel, por exemplo, são reajustados anualmente pelos índices de inflação. Os aluguéis são atrelados ao Índice Geral de Preços do Mercado (IGP-M) medido pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Por sofrer influência de preços das commodities, o IGP-M repassa impactos de altas em outros produtos para o sistema todo. "Isso perturba e dá uma grande instabilidade porque repassa um choque de preços externo para o sistema interno", diz do Carmo.

Para o economista da FGV Projetos, Fernando Blumenschein, avançar na redução da indexação envolve reformas em cada um desses setores que têm os preços indexados. "São avanços mais difíceis. Para avançar nos preços de energia elétrica seria preciso uma reforma de todo o sistema do setor elétrico. Não é uma coisa que se possa fazer sem custos", diz.

Há ainda uma dificuldade política para combater essa forma de reajuste porque ela implica perda de arrecadação. "Se nós pegarmos o total de arrecadação dos Estados com ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços), mais de 50% tem origem em combustíveis, energia elétrica e telefonia. Por isso é complicadíssimo se fazer uma redução do preço de gasolina, por exemplo", diz Carmo.

Segundo ele, essa dependência é maior nos Estados menos industrializados. "Nessa crise, provavelmente a arrecadação de ICMS de São Paulo vai ser menor que em outros Estados, porque depende menos da arrecadação com combustível, energia e telefone, que não são tão afetadas", afirma.

HISTÓRICO

Apesar dos resquícios da indexação, o real reduziu boa parte desse tipo de reajuste no País. "Os contratos deixaram de ser ajustados mensalmente para serem ajustados anualmente", recorda Carmo. Segundo ele, boa parte do formulário adotado no real veio dos planos anteriores de combate à inflação.

A diferença para o sucesso do real foi amadurecimento do País. "A consolidação da democracia, maior liberdade, maior respeito pela opinião pública no mundo todo, isso também contribuiu para o que aconteceu aqui", diz. "O interesse do consumidor passou a ter um peso maior que o interesse do Estado como produtor, que era a situação do regime anterior", diz.

As principais medidas tomadas pelo real foram do ponto de vista financeiro, especialmente o Proer, um programa de auxílio aos bancos. O plano também refinanciou as dívidas de Estados e municípios. "Houve uma tentativa de saneamento das contas públicas antes da estabilização da moeda, algo que não ocorreu no Plano Cruzado (1986) por falta de apoio político", diz Carmo.

Blumenschein destaca como aprendizado incorporado pelo Plano Real a busca de alternativas ao tabelamento de preços, algo que se comprovou ineficaz nos planos anteriores. "Houve o convencimento da sociedade, que passou a apoiar medidas que deram certo, como a abertura comercial."