Título: Migração não ocorre e governo ganha tempo para mexer na poupança
Autor: Modé, Leandro
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/07/2009, Economia, p. B1

Captação líquida da caderneta no ano é de R$ 775 milhões, enquanto a de fundos de renda fixa, de R$ 5,5 bi

Leandro Modé

Com a queda da taxa básica de juros (Selic) para o menor nível da história, a poupança já rende mais do que os CDBs (títulos emitidos pelos bancos) e a maioria dos fundos DI voltados ao pequeno investidor. Apesar disso, o brasileiro ainda se mostra pouco disposto a migrar para a caderneta, que tem uma remuneração mínima definida em lei de 6% ao ano mais a variação da Taxa Referencial (TR).

A captação líquida da mais tradicional aplicação financeira do País estava positiva em apenas R$ 775 milhões no ano até o dia 29 de junho. No mesmo período, os fundos de renda fixa acumulavam superávit de R$ 5,5 bilhões.

Se for levado em conta apenas o mês de junho, o balanço da poupança até o dia 29 mostrava depósitos superiores aos saques de R$ 419,7 milhões. Em maio, o saldo foi bem maior: R$ 1,9 bilhão. O movimento em 2009 também é modesto se comparado ao dos dois últimos anos, quando a taxa Selic era mais alta e, consequentemente, a maioria dos fundos - e os CDBs - batia a caderneta.

Entre janeiro e junho de 2007 e de 2008, a captação líquida da poupança foi de R$ 8,7 bilhões e R$ 4 bilhões, respectivamente.

Essa realidade contraria a expectativa de muitos analistas e ajuda a explicar por que o governo pôs em ponto morto o projeto que muda as regras de tributação da caderneta, anunciado pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, no dia 13 de maio.

"O ritmo de aportes na poupança vem se mantendo estável no último ano e meio, na faixa de R$ 10 milhões a R$ 15 milhões por mês", disse o estrategista de investimentos pessoais da Santander Asset Management, Aquiles Mosca. "Não temos percebido migração para a poupança", afirmou o diretor executivo do Itaú-Unibanco, Osvaldo Nascimento, responsável pelos produtos de investimentos da instituição.

Segundo especialistas, uma série de razões explica a cautela dos investidores. "A complexa regra do governo para (mudar) a poupança deixou as pessoas com o pé atrás", disse o professor da Trevisan Escola de Negócios Alcides Leite.

O professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Ernesto Lozardo acrescenta outros dois fatores. O primeiro está relacionado à estabilidade da economia. "Há 15 anos, fiz um trabalho que mostrava que o brasileiro tomava muito rapidamente suas decisões financeiras, com medo da inflação", comentou. "Hoje é diferente. As pessoas não têm mais o raciocínio do overnight."

Lozardo cita, ainda, outra explicação: a crise - que reduziu a renda das pessoas e as levou a sacar dinheiro da caderneta de poupança para honrar compromissos ou até mesmo para consumir.

QUESTÕES CULTURAIS

Para Alexandre Chaia, professor de Finanças do Insper (antigo Ibmec São Paulo), o papel do gerente de banco é chave para entender o comportamento ainda errático do brasileiro em relação à poupança. "A maior parte dos clientes pede conselho ao gerente, que ainda não percebeu que a caderneta já rende mais do que muitos fundos", pondera. "É uma questão cultural, que precisará de tempo para mudar."

O professor da Faculdade de Economia e Administração da USP Roy Martelanc chama a atenção para uma curiosa questão comportamental. "Tem muita gente que não aplica em poupança porque acha que é coisa de pobre", afirmou. O especialista também destaca o contra-ataque dos bancos, por meio da redução do valor mínimo de aplicação em vários fundos de investimento.

"A margem do banco é maior com fundos ou CDBs do que com a poupança", observou. De cada R$ 100 aplicados na caderneta, o banco é obrigado a destinar R$ 65 para financiamento imobiliário; R$ 20 vão para o Banco Central (onde são remunerados por TR + 6%); R$ 10 ficam contingenciados no próprio banco e apenas R$ 5 são livres para a instituição reemprestar.

FRASES

Alcides Leite Professor da Trevisan Escola de Negócios

"A complexa regra do governo para (mudar) a poupança deixou as pessoas com o pé atrás"

Roy Martelanc Professor da FEA-USP

"Tem muita gente que não aplica em poupança porque acha que é coisa de pobre"

"A margem do banco é maior com fundos ou CDBs do que com a poupança"