Título: Brasileiros lucram com chavismo
Autor: Costas,Ruth
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/07/2009, Internacional, p. A16

Bem-vistas por Chávez, empresas nacionais investem na Venezuela mesmo em meio a onda de nacionalizações

Ruth Costas

"Estamos numa fase de nacionalização de empresas. Menos das brasileiras", disse o presidente venezuelano, Hugo Chávez, em maio. A declaração causou indignação em Buenos Aires um mês depois de Chávez nacionalizar a Sidor, empresa do grupo argentino Techint. "As brasileiras são diferentes, elas se aproximam da sociedade, das comunidades. As argentinas não se acoplaram ao socialismo", explicou o embaixador da Venezuela na Argentina, Arévalo Méndez.

A pergunta, porém, é inevitável: se até a aliada Cristina Kirchner foi afetada pelas nacionalizações, há garantias para os brasileiros?

Um fenômeno que causa surpresa é que, enquanto as nacionalizações afastam da Venezuela empresas americanas e europeias, o Brasil é um dos países que mais lucram com o chavismo. Desde 1999, quando Hugo Chávez assumiu, as vendas do País para a Venezuela aumentaram 860% e os venezuelanos passaram do 18º para o 7º lugar entre os principais destinos das exportações brasileiras.

Com uma produção interna pífia, a Venezuela hoje compra do Brasil de celulares a bois vivos. E graças à assimetria dessa parceria comercial - ela importa dez vezes mais do que exporta -, respondeu por quase 20% do superávit brasileiro em 2008, sendo o país que mais contribuiu para esse saldo depois da Holanda, porto de entrada de produtos para a Europa.

As empresas brasileiras também tomaram nos últimos anos a contramão das de outros países. Até 2006, poucas se arriscavam na Venezuela. Hoje, os investimentos no país somam US$ 15 bilhões. Em 2007, a Gerdau comprou a terceira maior produtora de aço venezuelana, o Grupo Ultra adquiriu uma fábrica de produtos químicos, a Braskem anunciou projetos de mais de US$ 4 bilhões e a Alcicla associou-se a uma empresa venezuelana de reciclagem de alumínio.

A Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial abriu um escritório em Caracas, em 2008, e ainda neste mês levará à Venezuela 25 empresários dispostos a fornecer matéria-prima, serviços e investir no país.

Isso sem falar nas empreiteiras (prestadoras de serviço). Em setembro, a Andrade Gutierrez firmou um acordo para erguer uma siderúrgica de US$ 1,8 bilhão. Entre os projetos da Odebrecht estão a gigantesca Hidrelétrica de Tocoma, a ampliação do Metrô de Caracas e uma associação com a PDVSA Engenharia e Construções.

Para garantir as parcerias em tempos de crise, o BNDES liberará US$ 4,3 bilhões em créditos para Chávez importar bens e serviços do Brasil. Desde que ele firmou o acordo com o BNDES, em 1997, havia recebido US$ 500 milhões.

O Estado entrevistou acadêmicos, diplomatas e empresários nos dois países para entender o que levou o Brasil a aumentar sua presença econômica na Venezuela. A conclusão é que dois fatores contribuíram para esse processo.

O primeiro diz respeito à importância estratégica do Brasil para Chávez. "As importações brasileiras cresceram porque Chávez ordenou: comprem do Brasil", disse um diplomata. "O comércio exterior na Venezuela segue critérios políticos, não há como negar."

Ao declarar guerra ao setor privado nacional e aos EUA, Chávez teve de buscar novas parcerias. "Pelo seu peso econômico e político, o Brasil é o único na região capaz de dar a Chávez apoio necessário para ele tocar seu projeto", disse Pedro Silva Barros, professor de economia da PUC-SP, especialista em Venezuela. "Hoje, as relações com o Brasil são essenciais para a estabilidade política do governo venezuelano."

O leite e o frango do Brasil vão parar nos Mercais, os mercados estatais, ajudando a frear a escassez de produtos básicos para os mais pobres, base eleitoral de Chávez. A Hidrelétrica de Tocoma, de US$ 3 bilhões, é um dos eixos da estratégia para combater os apagões. E Chávez ainda tem planos de erguer 200 indústrias com ajuda brasileira. "Não dá para brigar com os EUA e o Brasil ao mesmo tempo", disse um exportador.

Já a segunda causa do aumento da presença brasileira está relacionada ao fato de as empresas se sentirem seguras por estar, em geral, fazendo negócio com o próprio Chávez, não com o setor privado. Elas ganham contratos milionários, associam-se a estatais ou fazem delas seu principal cliente.

"O governo compra 85% dos alimentos brasileiros exportados para a Venezuela", afirmou Fernando Portela, da Câmara de Comércio e Indústria Venezuelano-Brasileira (Cavenbra). Às vezes, o produto brasileiro é embalado e processado, chegando às prateleiras como "produto venezuelano". "Tinha uma época em que até a foto do Chávez eles punham na embalagem", disse Portela.

Os empresários são pragmáticos e evitam o tema político. Tudo por um bom negócio. E o bom negócio, no caso, é garantido pela abundância de algumas matérias-primas e a existência de um mercado forte, cuja demanda não é suprida internamente, como explica Sergio Thiesen, diretor da Braskem. Muitas grandes empresas e empreiteiras estão acostumadas a atuar em lugares instáveis da África, Ásia e Oriente Médio. "Na Venezuela, há a vantagem da proximidade física e cultural", disse Thiesen.

Chávez costuma se reunir com empresários do Brasil para pedir investimentos. O diretor da Odebrecht na Venezuela, Euzenando Azevedo, é tido como seu "homem de confiança". Em 2008, quando o Equador expulsou a Odebrecht, Chávez saiu em sua defesa. "Na Venezuela, essa empresa tem se comportado bem", disse, lembrando que ela não participou da greve geral em 2002.

OPORTUNIDADES

O "tratamento preferencial", segundo analistas, também cria oportunidades para os empresários brasileiros, que podem comprar a preços baixos ativos de empresas apressadas para deixar a Venezuela. Por sua fábrica em Zulia, com um faturamento estimado em US$ 30 milhões, o Grupo Ultra pagou à americana Arch US$ 7,6 milhões. "O problema, mesmo para os brasileiros, é que Chávez é instável e, na Venezuela, não há instituições que garantam os contratos", disse o analista venezuelano Maxim Ross.

"Acho difícil que as brasileiras sejam nacionalizadas no médio prazo porque elas são bem-vistas por Chávez e há uma parceria estratégica, mas é impossível prever o que aconteceria com uma mudança de governo no Brasil, por exemplo", afirmou Francine Jácome, do Instituto Venezuelano de Estudos Sociais e Políticos

Há dois anos, quando Chávez mudou as regras para a exploração de petróleo, o lucro da Petrobrás no país caiu 42,7%. "Se decidir nacionalizar, ele nacionaliza. Não há o que fazer", disse um executivo. "Chávez tem um projeto socialista e o risco existe. Enquanto isso, trabalhamos e fazemos negócio."