Título: Governo tira poder das agências
Autor: Sobral, Isabel
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/07/2009, Economia, p. B7
Norma centraliza na AGU a defesa de contestações judiciais de decisões das agências em tribunais superiores
Isabel Sobral, BRASÍLIA
O Planalto está impondo mais uma regra que ataca a independência e a autonomia das agências reguladoras. Uma portaria da Advocacia Geral da União (AGU) impede os procuradores das agências e de autarquias federais com funções semelhantes, como o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), de defenderem sozinhos as decisões desses órgãos contestadas judicialmente que chegaram aos tribunais superiores (Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça).
De acordo com a portaria 164, de 20 de fevereiro de 2009, que regulamenta uma lei de 2002 que criou a Procuradoria Geral Federal (PGF), a defesa das decisões das agências nos tribunais superiores cabe agora a um departamento da PGF, que é vinculada diretamente ao ministro-chefe da AGU.
Com isso, o Executivo passa a ter o poder de moldar a defesa dos interesses das agências aos interesses do governo. "Trata-se de uma subordinação de órgãos, que devem ser independentes e autônomos do Poder Executivo, à orientação da AGU, que, em última instância, é subordinada ao chefe do Executivo", resumiu um integrante de um órgão regulador que preferiu não se identificar.
Para outro técnico do setor, a submissão das defesas judiciais das agências à AGU pode dar margem a "manobras políticas" do governo. "Como não é possível revogar simplesmente a decisão de uma agência reguladora, bastaria a AGU ser orientada a negligenciar a defesa dessa decisão no STJ ou STF que a decisão perderia eficácia", explicou a fonte.
Em meio a disposição do governo Lula de ressuscitar o projeto de lei que reestrutura as agências reguladoras, que está parado no Congresso há pelo menos cinco anos, a portaria é vista como mais um indício da vontade do Planalto de controlar as agências, que já estão política e partidariamente loteadas.
O titular da PGF, Marcelo de Siqueira Freitas, que assina a portaria, disse que o objetivo da medida é aumentar a eficiência do trabalho nos tribunais superiores e reduzir custos. Segundo ele, dessa forma, as defesas ficam a cargo dos advogados da AGU, com "maior traquejo e conhecimento dos ritos".
Ele rebateu as hipóteses de que a mudança trará prejuízo às decisões dos órgãos reguladores. "Rebato veementemente essa posição porque não vamos nos intrometer nos assuntos das agências e temos interesse em defendê-las de forma rápida", afirmou.
Segundo ele, foi montado um grupo especializado na PGF com procuradores que já trabalharam nas diversas agências reguladoras e órgãos afins e, por isso, têm conhecimento especializado. "E mais: o trabalho do grupo é feito em parceria com os atuais procuradores dos órgãos, em nome da especificidade de cada tema."
Ele argumentou ainda que a portaria não é "algo que surgiu neste governo" porque a estruturação da PGF está numa lei aprovada em 2002. Mas ela só ocorreu agora porque havia obstáculos "logísticos" a serem solucionados.
Criado ao longo da década de 90, no contexto das privatizações e da diminuição da presença do Estado na oferta de bens e serviços, o modelo de agências reguladoras com total autonomia nunca foi visto com bons olhos pelo governo Lula.
Uma das primeiras medidas do início do primeiro mandato foi o envio, ao Congresso, de um projeto que limita a autonomia das agências. Mas a proposta enfrenta resistências até hoje. Uma nova tentativa de votação no plenário da Câmara está sendo costurada para ocorrer em julho. Outras ações, no entanto, serviram para frear o poder das agências, como os sucessivos cortes orçamentários e indicações de dirigentes com perfis mais políticos do que técnicos.
O especialista em direito administrativo e regulação Álvaro de Palma Jorge disse que os argumentos da AGU até são "válidos". Ele acredita na melhora da qualidade das defesas nos tribunais superiores, por causa da preparação dos profissionais, e na economia de custos.
No entanto, ele afirmou que, na prática, há "cerceamento jurídico" da atuação dos órgãos reguladores. "É mais uma afronta ao modelo de agências independentes porque se está tirando a autonomia de seus procuradores para baterem às portas dos tribunais superiores sozinhos", disse. "É mais um sintoma da mesma doença."
Para ele, no mundo dos negócios, a possibilidade de interferências nas decisões das agências, por menor que ela seja, causa inseguranças jurídicas nos investidores e empresários.