Título: Acordo do crédito partiu da Fazenda
Autor: Otta, Lu Aiko
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/07/2009, Economia, p. B4

Afirmação de diretor da Fiesp sobre eventual proposta de acordo irrita equipe econômica

Lu Aiko Otta, BRASÍLIA

A disputa bilionária entre governo e exportadores em torno da vigência ou não de um incentivo fiscal, o crédito-prêmio do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), movimentou a Esplanada dos Ministérios ontem. O diretor de Relações Internacionais e de Comércio Exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Roberto Giannetti da Fonseca, disse que partiu do Ministério da Fazenda a iniciativa de propor um acordo com os exportadores para encerrar logo a disputa. A afirmação provocou irritação no Ministério da Fazenda, que desmentiu a versão em duas notas oficiais.

O centro da disputa é se o crédito-prêmio do IPI foi ou não extinto. O governo sustenta que acabou em 1983. Os exportadores, que continua em vigor. Há entendimentos diferentes na Justiça. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendia que o incentivo havia acabado em 1983, depois concluiu que deixou de valer em 5 de outubro de 1990.

A questão agora será julgada no Supremo Tribunal Federal (STF). O governo estima que pode ter um prejuízo de até R$ 288 bilhões caso seja derrotado. Os exportadores temem uma fatura de até R$ 300 bilhões caso a União vença. "É talvez o maior esqueleto fiscal existente no momento", disse o diretor da Fiesp.

Giannetti contou que foi chamado pelo procurador-geral da Fazenda, Luís Inácio Adams, para uma conversa em Brasília, no dia 21 de dezembro de 2006. Por entender que qualquer decisão da Justiça seria ruim, pois teria repercussões gravíssimas sobre as empresas ou sobre a União, Adams teria proposto um acordo. Por ele, os exportadores desistiriam da disputa judicial e abririam mão de parte dos valores reclamados (referentes ao período entre 2003 e 2009). Em troca, a Fazenda reconheceria parte dos créditos reivindicados (de 1983 a 2002). Esses créditos seriam usados pelas empresas para pagar débitos com o Fisco, inscritos na Dívida Ativa da União.

As afirmações de Giannetti contradizem o posicionamento oficial do Ministério da Fazenda que, na semana passada, emitiu nota negando o acordo. Isso ocorreu depois que o Senado aprovou a Medida Provisória 460, que trata do programa "Minha Casa Minha Vida", mas traz "de carona" uma emenda prevendo que a União pagaria o crédito-prêmio. Curiosamente, esse artigo entrou na MP com o apoio da base governista. A líder do governo no Congresso, senadora Ideli Salvatti (PT-SC), disse na ocasião que a equipe econômica havia concordado com a inclusão.

Na versão de Giannetti, essa contradição entre a Fazenda e os parlamentares governistas tem uma explicação. Embora favorável ao acordo, o governo estaria evitando se posicionar para não influenciar a decisão do STF.

"Não é verdade que a Fazenda esteja se resguardando", afirmou ao Estado o procurador-geral adjunto Fabricio Da Soller. "Nós, de fato, não temos uma posição favorável ao acordo." Ele confirmou que houve uma reunião com Giannetti no dia 21 de dezembro de 2006 e que a esse encontro seguiram-se outros. No entanto, segundo afirmou, a Fazenda não propôs acordo algum e tampouco chegou-se a um entendimento.

"Tanto que a discussão começou em 2006 e continua até hoje." Em nota, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, voltou ontem a negar que tenha concordado com a inclusão da emenda da MP 460. "Ela não resolve o problema e é lesiva aos interesses da União. Esse problema só será resolvido com julgamento pelo Supremo Tribunal Federal". Em seguida, a Fazenda divulgou uma segunda nota explicando que é contra o acordo por seis motivos: fere o tratado firmado pelo Brasil com a Organização Mundial do Comércio (OMC); provocaria uma corrida aos tribunais por parte das empresas que não entraram na Justiça para cobrar o crédito-prêmio; representaria a admissão, pela União, que o crédito-prêmio não acabou em 1983; não traz segurança jurídica; o prejuízo aos cofres públicos seria elevado; o acordo poderia ser inconstitucional.

IMBRÓGLIO

(.) Se o governo perder: Nas contas do governo, o prejuízo varia de R$ 144 bilhões a R$ 288 bilhões.

Na conta dos exportadores, a conta é de R$ 180 bilhões, mas eles abririam mão de R$ 110 bilhões num acordo para não levar a disputa judicial até o fim. Restariam, portanto, R$ 70 bilhões, dos quais 70% á foram quitados por meio de liminares judiciais. Efetivamente, o prejuízo para a União seria de cerca de R$ 21 bilhões.

(.) Se os exportadores perderem:

Na conta dos exportadores, eles teriam de pagar de R$ 200 bilhões a R$ 300 bilhões, referente a tributos devidos, multas e juros.

O caso

1. O que é o incentivo: é o crédito-prêmio do IPI, criado em 1969 para incentivar o comércio exterior. Por ele, o exportador ganhava um crédito tributário no valor de até 15% da mercadoria exportada.

Esse crédito podia ser usado para pagar preferencialmente o IPI devido pela empresa.

2. A disputa: o governo sustenta que o crédito-prêmio foi extinto em 30 de junho de 1983, por meio de uma portaria de 1979 que previa o fim do incentivo dali a quatro anos.

Os exportadores sustentam que ele ainda está em vigor, pois em 1982 o próprio governo baixou uma regra prorrogando o incentivo por tempo indeterminado e estendendo-o às tradings.

3. Não há consenso entre juristas, a ponto de duas turmas do STJ tomarem decisões diferentes sobre a existência ou não do incentivo. A divergência levou a um novo julgamento em 2004, que decidiu pelo fim do incentivo em 1983. A Lei 11.051 proíbe o uso do crédito-prêmio.

4. Em 2005, o Senado editou a Resolução 71, que diz que o crédito-prêmio está em vigor. A Justiça passa a conceder liminares a favor dos exportadores.

5. Em 2006, o STJ passou a ter um entendimento diferente: que o crédito-prêmio havia sido extinto em 1990, por força de um ato das Disposições

Constitucionais Transitórias. Esse dispositivo da Carta de 1988 dizia que os incentivos setoriais que não tivessem sido confirmados no prazo de dois anos após a promulgação estariam extintos.

Entendeu-se que era o caso do crédito-prêmio do IPI.

6. A questão foi, então, remetida ao STF, que vai decidir se os exportadores são um setor ou uma atividade. O julgamento ainda não começou.

7. Os exportadores dizem que foram procurados pelo Ministério da Fazenda, que propôs um acordo: os exportadores desistem das ações e parte dos créditos será reconhecida. Esses créditos seriam usados pelos exportadores para pagar outros débitos tributários, inscritos na dívida ativa da União.

8. Na semana passada, o Senado aprovou um texto substitutivo à MP 460, que trata do programa "Minha Casa, Minha Vida", na qual há um artigo com o suposto acordo entre governo e exportadores. Parlamentares do PT disseram ter tido aval da equipe econômica.

9. A Fazenda divulgou nota dizendo que "não apoiou qualquer iniciativa" e que a decisão coube "estritamente" ao Senado.

10. A MP 460 estava na pauta de ontem da Câmara, mas não foi votada.