Título: Sarney anuncia anulação de atos secretos para tentar debelar crise
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Fonte: O Estado de São Paulo, 14/07/2009, Nacional, p. A4

Técnicos levarão 30 dias para avaliar que decisões podem mesmo ser revistas

Acuado politicamente, o presidente do Senado, José Sarney, anunciou a anulação de 663 atos administrativos secretos. O anúncio não representa o cancelamento imediato das medidas, pois uma equipe técnica terá 30 dias para avaliar quais delas podem ser anuladas sem produzir problemas jurídicos. A prática de atos secretos foi revelada pelo Estado há um mês e, de início, Sarney negou que eles existissem. Em reunião, o presidente Lula pediu aos ministros que apoiem o senador. "É importante ser leal a Sarney. Há uma campanha pesada contra ele e não se pode individualizar as acusações", disse.

Sarney anuncia anulação de atos secretos para tentar debelar crise Mas técnicos alertam que grande parte das 663 medidas terá de ser convalidada para evitar problemas jurídicos

Leandro Colon e Eugênia Lopes

Acuado politicamente, o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), decidiu divulgar a anulação de 663 atos administrativos secretos, menos de um mês depois de garantir que esses boletins não existiam. O anúncio de ontem não representará, porém, o cancelamento imediato de todas as medidas. A decisão foi muito mais política do que prática. Técnicos do Senado avisaram o senador de que grande parte dos atos - revelados pelo Estado no dia 10 de junho - terá de ser convalidada nos próximos 30 dias para evitar problemas jurídicos.

Inicialmente, uma comissão avaliaria cada boletim sigiloso e a perspectiva de anulação. A estratégia de Sarney foi inverter o processo: cancelou todos os atos e a equipe de trabalho decidirá em 30 dias qual será convalidado. Uma tática de maior impacto externo, embora de pouco resultado prático internamente. "O ato é nulo e o decreto considera nulos todos os atos", declarou o parlamentar.

Ao anunciar a medida, o presidente do Senado tenta diminuir a pressão causada por denúncias de irregularidades administrativas, nepotismo e desvio de verbas da Petrobrás pela Fundação José Sarney.

Em meio à revelação sobre os atos secretos, ele chegou a afirmar que todos estavam na rede interna do Senado. Não era verdade. "Sarney tomou uma providência cobrada pela imprensa", disse o primeiro-secretário, Heráclito Fortes (DEM-PI). "Se não causar efeito, a decisão é apenas política, caso contrário, é prática", avalia Renato Casagrande (PSB-ES).

A decisão unilateral incomodou membros da Mesa Diretora, que esperavam ser consultados. Para eles, a iniciativa deveria ser tomada pelo colegiado.

O simples cancelamento das exonerações secretas criaria uma situação inusitada, pois os funcionários voltariam aos quadros do Senado - que ficaria devendo salários aos servidores.

Por isso, a interpretação da cúpula administrativa é de que essas medidas devem ser mantidas para evitar problemas. Um neto de Sarney enquadra-se nesse caso. João Fernando Michels Gonçalves Sarney foi nomeado em ato público, mas exonerado por uma decisão secreta do gabinete do senador Epitácio Cafeteira (PTB-MA), em cumprimento à decisão judicial antinepotismo.

Os 663 atos secretos - editados nos últimos 15 anos - foram identificados por uma comissão de servidores. Diante do impasse sobre a anulação de fato dessas medidas, a solução mais provável é o cancelamento dos boletins que tratam de criação de cargos dos gabinetes de parlamentares e da diretoria-geral, além das medidas referentes a benesses a servidores e senadores que tenham efeitos presentes e futuros. Quem foi nomeado por ato secreto e ainda trabalha no Senado deve perder o cargo temporariamente, embora haja controvérsias quanto a essa interpretação.

Caberia ao parlamentar ao qual o servidor presta serviço pedir uma nova nomeação do funcionário. Não há ainda estimativa de quantas pessoas estejam nesta situação. Uma sobrinha de Sarney, Maria do Carmo Macieira, e Nathalie Rondeau, filha do ex-ministro Silas Rondeau, aliado do senador, encaixam-se nesse perfil.

RESSARCIMENTO

Em um ato unilateral, Sarney pede ainda que a diretoria-geral avalie o ressarcimento aos cofres públicos do que foi pago indevidamente. A missão é considerada quase impossível pelo departamento jurídico.

A tarefa é comprovar que alguém recebeu sem trabalhar, já que, segundo interpretação jurídica da Casa, não há como cobrar devolução de salário de funcionário que trabalhou, mesmo que tenha sido sob efeito de nomeação secreta.

A iniciativa de Sarney segue ainda uma recomendação do Ministério Público Federal, que pediu a nulidade dos atos. O órgão e a Polícia Federal já abriram investigações em torno do caso. A PF busca indícios de formação de quadrilha, inserção de dados falsos e prevaricação. Deve levar 60 dias, no mínimo, para concluir a apuração.

Já a procuradoria deve apresentar em agosto uma ação por improbidade administrativa contra os ex-diretores Agaciel Maia e João Carlos Zoghbi, acusados de comandar o esquema de atos secretos dentro do Senado.

CRISE NO LEGISLATIVO

Segredo revelado

A cronologia do escândalo dos atos secretos no Senado, que levou o presidente da Casa, José Sarney (PMDB-AP), a anular ontem essas medidas

10/6

Estado revela que Senado acumula mais de 300 atos secretos - sem nenhum tipo de publicação oficial - para criar cargos e nomear parentes de políticos

- Lista de beneficiados inclui um neto de José Sarney - João Fernando recebeu salário de secretário parlamentar por 18 meses. Foi demitido por ato secreto após o STF proibir o nepotismo. A mãe assumiu a vaga

11/6

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12/6

Senadores responsabilizam Agaciel Maia (ex-diretor-geral por 14 anos) e João Carlos Zoghbi (diretor de Recursos Humanos) pelas irregularidades

13/6

Estado revela que ato secreto deu cargo na presidência do Senado a Vera Portela Macieira Borges, sobrinha de Sarney. Ela mora em Campo Grande (MS)

15/6

Revelado que filha do ex-ministro Silas Rondeau, a aspirante a modelo Nathalie Rondeau, 23 anos, foi nomeada em 2005, por ato secreto, para o Conselho Editorial do Senado

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Sarney discursa por 33 minutos: "A crise é do Senado, não minha." Rejeita ser julgado pela Casa, o que considera "falta de respeito", "injustiça"

A procuradora Anna Carolina Resende, do Ministério Público Federal, instaura inquérito civil para investigar a prática de boletins sigilosos

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Comissão de sindicância detecta 650 decisões mantidas sob sigilo

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20/6 Estado informa que mordomo da ex-senadora e hoje governadora Roseana

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22/6

O líder do PSDB, Arthur Virgílio, vai à tribuna e pede a prisão de Agaciel. Cristovam Buarque (PDT-DF)) sugere que Sarney se afaste da presidência da Casa

23/6

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Sob pressão, Sarney demite 2 diretores do Senado: Alexandre Gazineo, diretor-geral, e Ralph Siqueira, diretor de Recursos Humanos.

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Virgílio entra no Conselho de Ética com denúncia contra Sarney

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Sarney se reúne com Lula e avisa que não pedirá licença nem renunciará.

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Sarney instaura processo administrativo contra ex-diretores Agaciel e Zoghbi

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Ante a pressão de Lula em defesa de Sarney e do PMDB como aliado em 2010, PT encontra saída intermediária: decide "sugerir" licença a Sarney

10/7

A pedido do Ministério Público, a Polícia Federal instaura inquérito para investigar os atos secretos

Ontem

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