Título: Quero ser sensato, sábio e justo
Autor: Fadel, Evandro
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/07/2009, Nacional, p. A8

Entrevista - Ricardo Tadeu Marques da Fonseca: desembargador do TRT; Vinte anos após ser reprovado no concurso para o TRT, Ricardo Tadeu Marques da Fonseca consegue a vaga

Felipe Recondo, BRASÍLIA

Há 20 anos, Ricardo Tadeu Marques da Fonseca foi reprovado no concurso para juiz do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo por ser cego. Ontem, tornou-se o primeiro magistrado deficiente visual do País. "Não tenho mais grandes ambições. Quero ser um juiz sensato, sábio e justo", disse ao Estado antes de saber da nomeação.

Como foi sua escolarização?

Eu fui alfabetizado pela minha mãe, que me ensinou a escrever e a fazer contas. Na escola, tive professoras que escreviam os textos com letras maiores para eu poder ler.

Não foi para uma escola especial? A minha família achava que eu tinha de estudar numa escola comum. Inclusive eu jogava bola com a molecada. Sempre fiz tudo, brigava, apanhava, batia.

Como foi o vestibular?

A Fuvest na época não sabia como fazer a prova pra mim. Propus que gravassem as questões em fita cassete. Fui assim que fiz as provas e passei no Largo do São Francisco.

O sr. ficou cego no meio do curso. Como fez para se formar na universidade?

A minha turma, de 1984, foi muito legal. Cada colega escolheu um livro que gostava mais e gravou o conteúdo em fita cassete. Eu escutava tudo e fazia as provas oralmente. Assim eu me formei, fiz mestrado na USP e doutorado na Universidade Federal do Paraná.

E sua carreira profissional?

Comecei a trabalhar num escritório de advocacia trabalhista. Era muito difícil conseguir um emprego melhor. O juiz Osvaldo Freus, do Tribunal do Trabalho de Campinas, me convidou para ser assessor dele. Foi ele que me estimulou a fazer concurso para a magistratura.

O sr. fez as provas?

Comecei a fazer o concurso em 1989. Eu estava entre os 10 primeiros colocados e quando eu ia fazer a prova de sentença, que era justamente com o que eu trabalhava, anteciparam o meu exame médico. E eu fui cortado.

Com que argumento?

Juiz cego não pode trabalhar. Eu sempre contestei isso. Eu sempre dizia: senhores juízes, quando os senhores têm de ler um texto em língua estrangeira se louvam de um tradutor juramentado. Não é assim? É. O ledor funciona para mim como o tradutor juramentado funciona para vocês. O centro acadêmico da Faculdade de Direito realizou um ato público. E quem estava na direção do centro acadêmico era o Toffoli (José Antonio Dias Toffoli, advogado-geral da União). Eles ficaram indignados com a história. Foi o que me fez acreditar na Justiça.

O sr. não tentou nada por via judicial?

O ministro Eros Grau era meu professor na época e fez um mandado de segurança pra me defender. Ele e a Paula Dallari. Não deu certo, mas foi lindo o mandado de segurança.

Quando foi para a procuradoria, a deficiência visual atrapalhou?

Eu não acho que a cegueira deva ser usada como um pretexto médico, porque não é uma questão médica, é uma questão técnica. Se um cego pode ou não ser procurador é uma questão técnica.

Como eram as audiências?

Eu percebo quando a testemunha se mexe na cadeira, se está à vontade, se está nervoso, tudo pelo tom de voz. Isso nunca foi problema para mim. Eu sempre instruí muito bem meus inquéritos.

O sr. espera alguma resistência como desembargador?

Não. Eu tenho fé que não, que isso será assimilado pela sociedade brasileira.

O que o senhor necessitará agora?

Os desembargadores têm assessores. Eu também vou precisar. Quero me adaptar ao programa de leitura de voz de computador que lê tudo o que está na tela porque os processos serão digitalizados. Nem de ledor humano precisarei mais. É questão de tempo.