Título: Excesso de exigências inibe novas adoções
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/07/2009, Vida, p. A18

Maioria dos candidatos quer adotar bebês brancos e sem irmãos; escolha de perfil restringe possibilidade

Alexandre Gonçalves

Dados do Cadastro Nacional de Adoção (CNA) confirmam que o principal obstáculo à adoção no País é o descompasso entre os candidatos à paternidade e o perfil das crianças e adolescentes que vivem nos abrigos. Cerca de 80% das pessoas dispostas a realizar uma adoção desejam uma criança com até três anos de idade, mas só 7% dos menores cadastrados estão nesta faixa etária. Apenas 1% das famílias aceita acolher uma criança com mais de dez anos.

Outros fatores dificultam ainda mais que uma criança deixe de viver em um abrigo. A maioria das famílias (86%) deseja adotar apenas uma criança. Mas 26,2% possuem irmãos. Cerca de 41% dos possíveis pais aceitam somente crianças brancas, um pré-requisito que exclui 63,5% das crianças presentes no cadastro.

"Quando consideramos todas as variáveis juntas entendemos porque tantas crianças e adolescentes não encontram uma família", afirma Francisco Oliveira Neto, vice-presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e um dos idealizadores do CNA.

Segundo o cadastro, criado e gerenciado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), há atualmente no Brasil 22.859 pessoas dispostas a adotar. O banco de dados também inclui 3.519 crianças e adolescentes que poderiam ser adotados. Pela Lei Nacional de Adoção, aprovada anteontem no Senado, o CNA será o cadastro unificado para adoção no País. O texto depende ainda de sanção presidencial.

Para Oliveira Neto, o número de pretendentes à adoção representa com fidelidade a procura no Brasil. Ele diz que a maioria das família que realmente deseja uma criança está cadastrada no CNA.

Por outro lado, o número de crianças e adolescentes é subestimado, diz ele. Muitos juízes só tornam um menor disponível para adoção, desligando-o dos pais biológicos, quando surge uma família interessada em recebê-lo. E, sem a destituição dos laços com os pais biológicos, a criança não aparece no cadastro. Segundo estimativa de Oliveira Neto, deveriam constar na lista 8 mil nomes de crianças e adolescentes.

EXCEÇÃO E REGRA

O texto aprovado no Senado prevê que os abrigos informem semestralmente a autoridade judiciária se a criança ainda deve permanecer longe do convívio familiar. Foi estipulado também um prazo de dois anos para que o menor deixe o abrigo e retorne à família biológica ou seja encaminhado para adoção. A lei prevê que ele permaneça no abrigo somente em casos excepcionais justificados por escrito pelo juiz.

A exceção, no entanto, corre o risco de tornar-se regra para crianças e adolescentes que não se encaixam na demanda das famílias. "As famílias precisam flexibilizar suas preferências", aponta Oliveira Neto. Mesmo assim, ele comemora a especificação de um prazo, pois oferece um parâmetro de conduta e responsabilidade para juízes e promotores.

Cerca de 50 crianças e adolescentes foram adotados por meio do CNA e 75 estão em processo de adoção. Houve 11 casos em que os menores eram de um Estado diferente da família que os acolheu. Os benefícios do cadastro, no entanto, podem ser maiores. Pelo menos 267 pessoas que desejavam adotar deixaram o CNA por já terem recebido uma criança que estava fora do cadastro.

Provavelmente, alguns juízes acessaram o banco de dados em busca de famílias com perfil para receber crianças e adolescentes que dependiam das suas varas, mas não estavam cadastradas. São Paulo já tem 1.133 menores no CNA. A Paraíba tem apenas um. Acre, Amapá, Roraima e Tocantins ainda não têm nenhuma criança cadastrada.

Um levantamento realizado pelo Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) e pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) mostrou que há no Brasil 2.464 abrigos para menores, mais da metade (1.361) na região sudeste. O MDS e a Fiocruz pretendem concluir a pesquisa no segundo semestre revelando o perfil das crianças.

NÚMEROS

80% das pessoas que desejam adotar uma criança desejam alguém com até 3 anos de idade

7% das crianças cadastradas têm menos de 3 anos

1% das famílias aceita adotar uma criança com mais de 10 anos