Título: Micheletti deixa Costa Rica sem falar com Zelaya e mantém impasse
Autor: Chacra, Gustavo
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/07/2009, Internacional, p. A10

Presidente autoproclamado de Honduras nomeia comissão negociadora para dialogar com líder deposto dia 28

Gustavo Chacra, SAN JOSÉ

Horas depois de desembarcar na Costa Rica, o presidente designado Roberto Micheletti retornou ontem para Tegucigalpa, indicando que não haverá encontros frente a frente com o presidente deposto Manuel Zelaya. Os dois rivais se reuniram separadamente com o presidente da Costa Rica, Oscar Arias. Micheletti disse que voltava para casa "totalmente satisfeito" com o resultado da viagem.

O rápido retorno de Micheletti para Honduras foi um sinal de que as "negociações não foram bem", afirmou o analista Kevin Casas, da Brookings Institution, em entrevista à CNN em espanhol. "Sem encontro cara a cara, nenhuma negociação avança", acrescentou. Ontem à noite, Arias reconheceu que o "processo de negociação deverá tomar mais tempo do que havia sido planejado". O costa-riquenho disse que a restituição de Zelaya "é inevitável", mas adiantou que "os pontos mais difíceis devem ser deixados para o final".

A comunidade internacional pressiona Micheletti a devolver o poder a Zelaya, deposto no dia 28. Militares, o Judiciário e o Legislativo de Honduras consideram que o presidente foi destituído legalmente - e não por um golpe -, uma vez que violou a Constituição ao tentar modificá-la para que pudesse ser eleito novamente.

Ao desembarcar em Tegucigalpa, Micheletti ironizou a possibilidade de restituição do presidente deposto: "(Partidários de Zelaya) defendem a volta do presidente para cá (Honduras). Estamos de acordo com o retorno, mas desde que ele (Zelaya) vá diretamente aos tribunais."

"Micheletti é muito difícil de negociar, não cederá facilmente", disse ao Estado Eduardo Maldonado, jornalista e secretário do Partido Liberal - agremiação tanto de Zelaya quanto de Micheletti.

O primeiro a chegar à casa de Arias, onde foram realizados os encontros, foi Zelaya, com o seu tradicional chapéu de vaqueiro. O líder hondurenho permaneceu algumas horas na residência antes de emitir um comunicado à imprensa, afirmando que "o Estado de direito deve ser restituído em Honduras".

Agradecendo ao costa-riquenho pela mediação, Micheletti afirmou que "os acontecimentos uniram ainda mais os hondurenhos". Para o presidente de facto, "ninguém está acima da lei" e a negociação deve ter como base a Constituição hondurenha. Prêmio Nobel da Paz, o presidente costa-riquenho, segundo disseram autoridades do país, utilizaria o dia de ontem para ouvir os dois lados. Mais tarde, Arias se reuniria com comissões negociadoras que representavam os dois lados.

POUCA FLEXIBILIDADE

O diálogo deveria prosseguir hoje na casa de Arias, mas a volta de Micheletti deve alterar os planos. A expectativa era de que ambos os lados cedessem um pouco. Várias alternativas vêm sendo discutidas por analistas. Em uma delas, Zelaya retornaria, mas teria de renunciar a seus planos de alterar a Constituição. Em outra, Micheletti permaneceria no poder, mas o presidente deposto poderia retornar a Honduras anistiado.

A Organização dos Estados Americanos (OEA) e os EUA não admitem outra saída a não ser o retorno de Zelaya. Ontem, a Embaixada dos EUA em Tegucigalpa anunciou a suspensão de US$ 16,5 milhões em assistência militar a Honduras. Outros US$ 180 milhões também podem ser congelados.

De acordo com pesquisa do Instituto Gallup, realizada em Honduras, 41% dos entrevistados consideram a deposição de Zelaya justificável. Outros 28% disseram se opor.

CRONOLOGIA

2009

Às vésperas do fim de seu mandato, Zelaya convoca consulta popular para alterar a Constituição

23 de junho

Parlamento rejeita consulta e Supremo declara votação ilegal

28 de junho

Presidente é derrubado e enviado para Costa Rica

29 de junho

Confrontos são registrados em Tegucigalpa

1.º de julho

OEA dá 72 horas para que governo de facto restitua Zelaya

3 de julho

Secretário-geral da OEA vai a Honduras e ameaça suspender país

Domingo

Sem acordo, OEA aprova suspensão de Honduras e Zelaya tenta voltar ao país

Segunda

Governo dos EUA rejeita se reunir com missão enviada pelo governo de facto de Honduras

Ontem

Zelaya e Micheletti se reúnem na Costa Rica

OS RIVAIS

Manuel Zelaya 56 anos, fazendeiro

Eleito presidente em 2005, foi deposto por um golpe militar dia 28 e expulso do país

Comunicativo e com visual pouco discreto, Zelaya foi eleito por um partido de direita, mas acabou dando uma guinada à esquerda ao longo do mandato. Deposto por militares com o aval do Legislativo e do Judiciário, Zelaya acusa os golpistas de traição. O presidente tentou voltar ao país no domingo, mas foi impedido

Roberto Micheletti 61 anos, empresário

Foi designado presidente pelo Congresso no dia 28, após o golpe de Estado

Há 30 anos na vida política, era companheiro de partido de Zelaya. Judiciário e Exército respaldam seu governo, que não tem reconhecimento internacional. Discreto, Micheletti evita discursos públicos. Ele se nega a negociar a restituição de Zelaya, a quem acusa de tentar uma manobra ilegal para eleger-se de novo