Título: Armínio agora assessora fundo chinês
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/07/2009, Economia, p. B6

Entrevista - Armínio Fraga: sócio-fundador do Gávea Investimentos e ex-presidente do Banco Central; Ex-presidente do BC, um dos 14 conselheiros internacionais do fundo soberano, fala ao Estado da sua primeira reunião

Fernando Dantas, RIO

Armínio Fraga, sócio-fundador do Gávea Investimentos e ex-presidente do Banco Central (BC), não para de acumular funções. Agora, além de presidente do Conselho da BMF&Bovespa, ele também faz parte do seleto grupo de 14 pessoas que está no Conselho Consultivo Internacional do China Investment Corporation, o fundo soberano da China, de US$ 200 bilhões. Contactado há dois meses, Fraga participou da primeira reunião do Conselho Internacional do fundo soberano chinês no último fim de semana. Ele conversou ontem com o Estado sobre a experiência.

Como é o fundo soberano chinês?

Esse fundo foi criado há pouco tempo, administra US$ 200 bilhões, e resolveu montar um Conselho Consultivo. A primeira reunião já aconteceu, no fim de semana passado, em Pequim. Cheguei de lá hoje (ontem). Foi uma reunião de dois dias, excelente. Eles estão com objetivos gerais muito claros, o que permitiu um diálogo muito aberto, que foi além do que às vezes acontece nesse tipo de conselho.

Quais os objetivos do fundo

A missão é gerar valor, investindo no longo prazo, com metade dos recursos alocados inicialmente para investimentos internacionais. Fala-se, embora não tenha sido dito para nós, que o fundo inclusive pode crescer com o tempo. EsSe é o único fundo deles. Além dele, há a gestão das reservas do Banco Central, que é mais conservadora. O fundo soberano pode correr mais riscos, ter investimentos de prazo mais longo, comprando ações, participações, e pode investir através de fundos de terceiros. Quanto ao controle de empresas, não é o perfil. O fundo quer ser tipicamente um investidor minoritário. As compras podem ser feitas no mundo inteiro, mas o processo ainda está sendo montado.

E quais são as diretrizes para os investimentos?

A ideia é ter uma disciplina de investimentos, baseada em fundamentos, em valor, e de se criar uma cultura de análise e de seleção de gestores. Como, num primeiro momento, tem-se uma equipe que está junta pela primeira vez, razoavelmente nova, é melhor diversificar - por região, por setor e por gestor - do que concentrar risco. A ideia é que o Conselho se reúna pelo menos uma vez por ano, talvez duas, eventualmente uma fora da China. Os conselheiros também podem ser chamados a opinar, e têm a liberdade de se comunicar com o fundo a qualquer momento, se acharem relevante.

O que o sr. achou do grupo de conselheiros?

Eu já conhecia o James Wolfensohn (ex-presidente do Banco Mundial) e o Yingyi Qian, reitor da Escola de Economia e Administração da Tsinghua University, que é uma espécie de MIT (Massachusetts Institute of Technology) da China. Tem também o Zeng Peiyan, que já foi vice-premiê, e tem grande peso na China, e o Taizo Nishimuro, que é japonês e foi chairman da Toshiba. Um nome particularmente interessante é o do norueguês Knut Kjaer, que montou o fundo soberano da Noruega, e administrou-o por vários anos. Acho que são US$ 400 bilhões, e é um grande sucesso.

Qual foi o tom das discussões sobre a economia global?

Reforçou a visão de que o mundo talvez já tenha passado pelo pior momento, mas as consequências de médio prazo desse processo todo, inclusive da resposta que foi dada pelos vários países, ainda não foram medidas. Mesmo sendo possível imaginar que o pior já passou, e a maioria acredita que sim, ainda se espera um período de crescimento mais baixo, uma certa volatilidade e incerteza, que recomenda um pouco de cuidado, de paciência.

E a economia chinesa?

A China está no momento de administrar um colapso nas suas exportações. Com excesso de capacidade no setor manufatureiro, ela vem tentando compensar isso com uma expansão muito agressiva do crédito e do gasto público, e ela tem espaço para fazê-lo. Agora, ninguém sabe direito a qualidade da carteira de crédito que essa expansão mais acelerada vai gerar. Eu, como ex-presidente de Banco Central, tenho o hábito de me preocupar com isso, e acho que alguns lá também têm. Também há uma questão sobre a qualidade do investimento em infraestrutura. Mas não estou falando em nome do Conselho. Não se discutiu números, mas a impressão é de que a China deve crescer entre 7% e 8% este ano.

Como o sr. vê a situação dos Estados Unidos agora?

O processo de desalavancagem não terminou, e a situação do setor financeiro melhorou, mas ainda está longe de ser boa. A situação do governo, com o déficit público de 13% do PIB, e vários déficits elevados projetados para o futuro, é bastante desconfortável. Então, justifica-se sim uma certa preocupação. Não há ainda nos Estados Unidos, na cabeça de ninguém com quem eu conversei, uma visão de horizonte de crescimento, de franca recuperação.

Como é que o sr. consegue fazer tanta coisa?

Esse negócio da China é uma vez por ano, e já vou todo ano à China - então para mim é tranquilo coordenar a minha ida anual à China com esse Conselho. E, do ponto de vista de tudo o mais que eu faço, é extremamente positivo, é um privilégio estar lá e participar dessas discussões, só me ajuda. No caso do Conselho da Bolsa (BMF&Bovespa), a sua pergunta procede, eu deixei de fazer várias outras coisas para poder assumi-lo. Não de atividades do Gávea, mas saí de outros Conselhos, tive de reestruturar o meu tempo. A Bolsa é uma empresa fantástica e, além disso, é uma empresa cujo produto é importante para o País, e que tem a ver com muita coisa na qual eu acredito.