Título: Bancos só emprestam 57% da verba do microcrédito
Autor: Simão, Edna
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/07/2009, Economia, p. B5

Programa lançado há cinco anos não deslancha porque os bancos preferem deixar o dinheiro parado no Banco Central a correr risco com os empréstimos

Edna Simão, BRASÍLIA

Mais de cinco anos se passaram e o programa de estímulo ao microcrédito lançado pelo presidente Lula continua patinando. Em maio, os bancos teriam que destinar R$ 2,427 bilhões para essas operações, mas apenas R$ 1,383 bilhão (57%) chegou às mãos da população de baixa renda. Com medo de ter prejuízo, os bancos preferem deixar o dinheiro parado nos cofres do Banco Central (BC), sem remuneração.

A expectativa inicial do Ministério da Fazenda era de que, com a queda dos juros no País, os bancos passassem a se interessar mais por essa modalidade, mas não foi o que ocorreu. Para reverter o cenário, técnicos do Ministério do Trabalho estão realizando estudos, mas não há prazos para que alterações sejam promovidas.

"Estamos sempre nos reunindo com os técnicos do Ministério da Fazenda para resolver o problema. O dinheiro pertence aos bancos e poucos atuam com o microcrédito. Temos de mudar isso com algum tipo de incentivo", avalia o coordenador-geral do Programa Nacional de Microcrédito Orientado (PNMPO) do Ministério do Trabalho, James Max Brito Coelho.

O principal fundo do programa é justamente o dinheiro dos depósito à vista dos bancos. "Com o estouro da crise, no ano passado, houve uma retração do crédito como um todo. O microcrédito sofreu pouco porque está acostumado a conviver com o fato de não ter muito dinheiro", comenta Coelho.

No ano passado, o programa emprestou R$ 1,807 bilhão, um aumento de 64,3% em relação a 2007. Se os bancos se interessassem pelo microcrédito, esse valor poderia ter sido muito maior.

Para não operar com a linha, as instituições financeiras alegam que o governo estabeleceu muitas amarras para a liberação dos recursos, como os limites para cobrança de juros - até 2% para pessoa física e 4% para o microempreendedor.

Hoje, por exemplo, o crédito consignado pode ser encontrado por um custo menor que o exigido no programa. Além disso, só podem ser beneficiadas pessoas físicas que movimentarem, em média, até R$ 1 mil em suas contas.

Tantos critérios, na avaliação da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), exigem investimentos elevados, o que nem todos estão dispostos a fazer. Existem dúvidas sobre a lucratividade do negócio.

"O governo lançou esse programa sem fazer uma análise técnica e qualitativa. Foi uma decisão muito mais política", destaca assessor técnico da Febraban, Adeniro Vian. "Esse resultado era previsível."

Vian considera que, na prática, o governo só criou um novo compulsório (recursos que as instituições são obrigadas a deixar depositados no BC). "O pior negócio para um banco é deixar o dinheiro parado no BC. Mas não dá para fazer microcrédito nas condições exigidas", ressalta o técnico da Febraban.

Como não poderia ser diferente, quem puxa a aplicação dos recursos do microcrédito, com a exigibilidade dos depósitos à vista, são os bancos públicos, como Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil e Banco do Nordeste. Na avaliação do superintende nacional de Clientes Renda Básica da Caixa, Milton Kruger, a operação é lucrativa no médio e longo prazos.

"Não adianta querer ter um resultado em dois ou três meses; é preciso primeiro ter escala para conseguir", diz Kruger. "Colocar o crédito à disposição de pessoas menos favorecidas ajuda a fomentar a economia. No mês passado, a Caixa aplicou R$ 175 milhões, praticamente 100% da exigibilidade, para empréstimos de baixo valor destinado ao consumo.

ESTÍMULO

Neste momento de crise, o destravamento do microcrédito poderia ajudar o governo a estimular o aumento do consumo, viabilizando a criação de novos postos de trabalho. Para o economista da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Marcelo Neri, mesmo sendo poucas, as operações de pequeno valor não tiveram redução com o agravamento da crise econômica. Isso porque, pelo menos por enquanto, a baixa renda não sentiu os impactos da desaceleração da atividade.

O inevitável foi um aumento da inadimplência. No Crediamigo, do Banco do Nordeste, uma das experiências mais bem-sucedidas do País, o nível do calote de algo inferior a 1% para 1,44% neste ano.

Mas a expectativa é de que esse mercado do microcrédito cresça nos próximos anos. Até porque a baixa renda está entrando no mercado consumidor. Para o técnico do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), João Silvério, a criação da figura do microempreendedor individual pode motivar os bancos a aplicarem em pequenas operações.

Esses empreendedores - com renda bruta anual de até R$ 36 mil no ano anterior - terão CNPJ, o que facilita a análise de crédito pelas instituições financeiras.