Título: Mercosul está fora das prioridades da UE
Autor: Chade,Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/08/2009, Economia, p. B9

Europeus pretendem avançar em acordos comerciais no mundo, mas alertam que bloco sul-americano precisa antes resolver disputas internas

Jamil Chade

O Mercosul não faz parte das prioridades da Europa e o bloco sul-americano sequer é citado no "plano de governo" da União Europeia para os próximos seis meses. Bruxelas decidiu se lançar em busca de acordos comerciais, diante do fracasso das discussões na Organização Mundial do Comércio (OMC). Mas a cúpula da UE alerta que o Mercosul terá de modificar sua atitude em relação ao comércio e resolver suas disputas internas sobre a livre circulação de bens se quiser de fato fechar um acordo entre os blocos, que já vem sendo negociado há dez anos.

Na semana passada, o chanceler Celso Amorim deixou claro que estava jogando a toalha em relação à possibilidade de um acordo na OMC, diante das resistências impostas pelos americanos. Em suas declarações, indicou que o caminho seria o de buscar um acordo com os europeus em 2010, projeto que foi lançado em 1999 e que nunca conseguiu ser fechado. A realidade é que Bruxelas está de fato interessada em explorar a possibilidade de retomar o processo com o Mercosul, praticamente parado desde 2004. Mas sob certas condições.

O principal obstáculo agora, segundo os europeus, é o governo argentino, que se recusa a abrir seu mercado para bens industriais e não adota qualquer sinal positivo em defesa do livre comércio. Outro problema é a dificuldade para produtos circularem livremente dentro do bloco sul-americano, que deveria ser uma união aduaneira.

"A Europa não está fechada a acordos bilaterais de livre comércio. Muito pelo contrário. Estamos em busca de parceiros, mas que queiram também abrir seus mercados", garantiu um negociador, pedindo anonimato. No início de julho, a UE fechou um acordo com a Coreia, apesar dos protestos das montadoras, que dizem não ser esse o momento para um acordo de abertura de mercados. As vendas de carros na Europa já caíram 14% este ano. Para Fredrik Reinfeldt, primeiro-ministro da Suécia, que preside a UE até o fim do ano, o acordo "manda um sinal forte contra o protecionismo".

Na lista de potenciais acordos, a União Europeia inclui Canadá, Ucrânia, Índia, Japão, Taiwan, Vietnã e Cingapura. Documentos da UE mostraram que acordos da Europa com a Ásia trariam ganhos cinco vezes maiores para os exportadores europeus que um acordo com o Mercosul.

No documento de prioridades da Suécia para a UE, a palavra "Mercosul" não é citada em nenhum lugar nas 45 páginas do informe considerado como "plano de governo" dos suecos. Mas os suecos, defensores do livre comércio, falam de outros projetos. Querem acordos com os países do Golfo Pérsico, com a Comunidade Andina e com os países da América Central, além dos projetos com países individuais citados.

PRIORIDADE BRASIL

Sem citar o Mercosul, os suecos preferem insistir na relação estratégica com o Brasil e, de fato, colocam o País com destaque em sua agenda. O Brasil será um dos poucos que contará com uma cúpula dedicada exclusivamente ao País. As demais cúpulas da UE serão com Estados Unidos, Índia, China, Rússia, África do Sul e Ucrânia.

No início de outubro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva será recebido por chefes de Estado da UE em Estocolmo para a cúpula. "As relações entre a UE e o Brasil terão uma atenção especial", afirmou o plano de governo da Suécia.

Nas negociações da OMC, a realidade é que o Brasil já fechou seu acordo com a Europa para novas cotas para as exportações de carne, açúcar e outros bens de interesse. O Brasil, em contrapartida, aceitou um corte de tarifas industriais. O entendimento irritou os argentinos, que não aceitam a abertura de seu mercado.

O Estado apurou que funcionários de alto escalão da Comissão Europeia acreditam que será difícil retomar o processo se algumas coisas não forem modificadas no Mercosul. Um dos problemas seria de fato o comportamento do governo argentino. "Sem os Kirchners, seria bem mais fácil", ironizou um diplomata europeu. Outro ponto calculado é o impacto da adesão da Venezuela. Se o país representa um importante mercado para as exportações europeias, muitos temem que serão contrários a uma liberalização.

Outra queixa dos europeus é sobre a insistência do bloco sul-americano em falar prioritariamente no setor da agricultura. Os europeus deixam claro que apenas vão poder abrir seu mercado se sentirem que contam com vantagens no setor industrial no Mercosul.