Título: Custo dessa apropriação
Autor: Chaves, Mauro
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/08/2009, Espaço Aberto, p. A2

Porque caiu e fraturou o ombro em sua casa, em São Luís do Maranhão, dona Marly Sarney chegou de helicóptero ao Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, onde uma junta médica formada por David Uip (um dos melhores infectologistas do País), Roberto Kalil Filho (um dos melhores cardiologistas do País) e Sérgio Checchia (um dos mais caros ortopedistas do País) decidiu operá-la. É claro que para ela seria mais cômodo não precisar viajar tão longe para uma cirurgia ortopédica. Mas o marido a ama muito para deixá-la aos cuidados de um sistema de saúde - o do Maranhão - que ele bem conhece, assim como o de saneamento básico e de tudo lá plantado (ou deixado de plantar) em muitas décadas. Recente editorial do Estadão resume a crise do Senado ao afirmar que seu presidente "hoje simboliza para a sociedade o que os costumes políticos brasileiros têm de mais execrável: a descarada apropriação das instituições e dos recursos públicos para ganhos pessoais e familiares". Mas qual tem sido o custo social dessa apropriação? É a história contemporânea do Maranhão que o explica. E só para relembrá-la reproduzo tópicos de artigos que escrevi aqui há oito anos.

"Desde 1985 o Maranhão mantém o pior PIB per capita de todos os Estados brasileiros. (...) A mídia tem deixado de concentrar-se num assunto que, pelas circunstâncias, se tornou de grande interesse público nacional, ou seja, a situação de atraso, de deficiência estrutural crônica e de miséria em que se encontra um Estado - que já teve grande importância no cenário cultural e histórico do País - dominado há mais de três décadas por um retrógrado sistema oligárquico, mantido pelo coronelismo eletrônico. (...) Os dados do Censo 2000 do IBGE são, realmente, acachapantes. Das 27 unidades da Federação, o Maranhão não ocupa um dos piores lugares. Ocupa, precisamente, o pior lugar, o último, nos índices mais importantes de aferição de desenvolvimento humano. (...) A renda média dos homens e mulheres, chefes de família no Maranhão, que não ultrapassa R$ 343 mensais, corresponde a apenas 44,6% da média nacional (que é de R$ 769). No item saneamento básico, enquanto o abastecimento de água aumentou substancialmente no País inteiro, atingindo a média nacional de 89%, no Maranhão 39,8% das casas não tem sequer banheiro ou sanitário! Semelhante calamidade higiênica não encontra paralelo nas outras regiões mais pobres do Brasil" (Os Sarneys e o charme da miséria, 29/12/2001).

"Aquela que já foi chamada de ?Atenas Brasileira?, onde se falava o melhor português do País, região que já produziu figuras do estofo de Gonçalves Dias, Coelho Neto, Aloísio de Azevedo, Humberto de Campos, Vespasiano Ramos e tantos outros, (...) há muito vive uma situação de absoluta decadência, abandono e miséria. (...) Como se explica isso? Qual o fenômeno que gerou tão especialíssima decadência? Em 1965 José Sarney elegeu-se governador do Maranhão. Depois dele, o amigo e correligionário de José Sarney Pedro Neiva de Santana assumiu o governo do Maranhão. Depois dele, o amigo e correligionário de José Sarney João Castelo Ribeiro Gonçalves assumiu o governo do Maranhão. Depois dele, o amigo e correligionário de José Sarney Oswaldo Nunes Freyre assumiu o governo do Maranhão. Depois dele, o amigo e correligionário de José Sarney Luís Rocha assumiu o governo do Maranhão. Depois dele, o amigo e correligionário de José Sarney Epitácio Cafeteira assumiu o governo do Maranhão. Depois dele, o amigo e correligionário de José Sarney João Alberto assumiu o governo do Maranhão. Depois dele, o amigo e correligionário de José Sarney Edison Lobão assumiu o governo do Maranhão. Depois dele, a amiga, correligionária (e filha) de José Sarney Roseana Sarney assumiu o governo do Maranhão e está para completar um segundo mandato" - e agora um terceiro. (Idem)

"Como se explica que alguém que já ocupou o comando supremo da Nação (embora não tenha conseguido cumprir a promessa do discurso de posse de ser maior do que ele mesmo) e há mais de três décadas manda em tudo no Estado, sendo dono das emissoras de televisão e rádio de maior audiência e do principal jornal, tenha deixado que o Maranhão chegasse a tais vergonhosos índices? Como se explica que alguém que mandou edificar, em vida, o próprio mausoléu, numa iniciativa literalmente faraônica (e, convenhamos, de supremo mau gosto) que nenhum caudilho latino-americano ou soba africano já ousou tomar, não tenha canalizado, nestes últimos 36 anos, seu poder, suas energias e sua inegável criatividade em benefício da população miserável de seu Estado?" (Idem)

"Interagindo com o governo, os sistemas de comunicação social maranhense exercem, com perfeição, um duplo papel. Primeiro é o de manter um clima permanentemente festivo, com a divulgação diuturna das promoções governamentais, dentro da estratégia de programação político-espetacular denominada ?Viva? (uma festa em cada bairro). Inspirada no panem et circenses dos romanos, sem panem virou cachaça et circenses. (...) O segundo papel do sistema controlado pela família Sarney consiste em abafar tanto fracassos administrativos quanto irregularidades apontadas ou investigadas pelos Tribunais de Contas, pela Polícia Federal ou pelo Ministério Público" (Os Sarneys e o charme da miséria - 2, 12/1/2002).

"Nada disso, no entanto, se compara à frase definitiva do senador (Sarney): ?Se o Maranhão é tão pobre e tantos pobres apoiam Roseana, é porque estão satisfeitos?" (Timon e os miseráveis satisfeitos do Maranhão, 18/1/2002).

Indague-se agora: será que os pobres senadores da República também estão satisfeitos?

Mauro Chaves é jornalista, advogado, escritor, administrador de empresas e pintor. E-mail: mauro.chaves@attglobal.net