Título: Governo argentino prioriza China
Autor: Landim,Raquel
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/08/2009, Economia, p. B1

País liberou mais sapatos e móveis chineses do que brasileiros no 1.º semestre, provocando desvio de comércio

Raquel Landim

Os burocratas argentinos privilegiaram deliberadamente os exportadores da China ao invés do Brasil. Dados obtidos pelo Estado apontam que, no primeiro semestre , a Argentina liberou mais licenças de importação para sapatos e móveis chineses do que brasileiros, provocando desvio de comércio.

A situação só foi revertida no fim de julho após forte pressão do governo brasileiro, inclusive do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que resultou em uma liberação maciça das licenças. A menor burocracia e o início da recuperação da economia argentina contribuíram para o Brasil voltar a ter um superávit com o país vizinho, de US$ 81 milhões, em julho.

O governo argentino liberou, em média, licenças de importação para 560 mil pares de sapatos brasileiros por mês no primeiro semestre. O volume é inferior aos 615 mil pares mensais autorizados para a China. No setor de móveis, entraram na Argentina, por mês, 100 mil unidades vindas da China, contra 60 mil do Brasil.

Os dados foram entregues pelo subsecretário de política e gestão comercial da Argentina, Eduardo Bianchi, para o secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento, Ivan Ramalho, na última reunião bilateral, na semana passada, informaram empresários que tiveram acesso ao documento.

Segundo as informações do governo argentino, o Brasil respondeu por 36% das licenças liberadas no primeiro semestre para sapatos, enquanto a China abocanhou 39%. Nos móveis, os chineses ficaram com 60% das licenças e os brasileiros com 30%. O setor de calçados é submetido ao monitoramento manual das importações desde 2005. O sistema começou em março deste ano para móveis.

Segundo Heitor Klein, diretor-executivo da Associação Brasileira da Indústria de Calçados (Abicalçados), o setor tinha informações de que os argentinos privilegiavam os chineses. "Mas nunca me deram uma explicação convincente para isso." Ele disse que, na última reunião,Bianchi garantiu que a participação dos chineses vai baixar, graças a aplicação de uma tarifa antidumping.

Empresários contam que a liberação de licenças de importação na Argentina é manual e, por isso, está sujeita a lobbies e existem até suspeitas de corrupções. Além disso, o volume de pedidos para a entrada de calçados chineses cresceu com a crise, por conta do desvio para a América do Sul de produtos que não foram vendidos na Europa e nos EUA. Segundo as fontes, para agilizar as licenças, os fabricantes de calçados instalados na China utilizam o argumento de que compram couro na Argentina.

Em junho, os setores de móveis e calçados selaram acordos de "restrição voluntária" das exportações com o governo argentino com a promessa de liberação mais ágil das licenças. Mas o acordo não foi cumprido. A situação motivou uma reclamação direta de Lula com a presidente da Argentina, Cristina Kirchner, na última reunião do Mercosul.

O presidente Lula argumentou com a colega que ordenou pessoalmente que o Brasil retirasse as licenças de importação contra a Argentina no início do ano. Ele disse ainda que era complicado os empresários terem firmado um compromisso, mas o acordo não ser cumprido.

A conversa foi no dia 24 de julho, sexta-feira. Na segunda-feira seguinte, começou a reunião entre Brasil e Argentina. Os argentinos chegaram atrasados, e anunciaram na terça a liberação de uma grande quantidade de licenças para sapatos e móveis. Uma fonte do governo brasileiro acredita que as medidas foram tomadas na última hora. Nos setores que ainda não fecharam acordos com os argentinos, com têxteis e linha branca, a burocracia continua.

A média mensal de liberação de licenças de importação de sapatos para o Brasil subiu 96% em julho, para 1,1 milhão de pares. Para os chineses, a média de liberações caiu 30%, para 430 mil. Em móveis, as licenças de importação autorizadas atingiram 173 mil unidades em julho, 75% a mais que no primeiro semestre. Para a China, caíram 188%, para 25 mil unidades.

José Luiz Fernandez, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Móveis (Abimóvel), disse que uma parte das licenças foi liberada pelos argentinos no mês passado, mas já foram substituídas por novos pedidos. Fontes do governo argentino disseram que, a partir de agora, está garantido o cumprimento dos acordos.