Título: Sarney atribui nomeação de seus parentes a outros senadores
Autor: Mendes, Vannildo
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/08/2009, Nacional, p. A8

Em discurso, presidente do Senado usa argumento de que os políticos são todos iguais

No terceiro discurso em menos de 60 dias, o senador José Sarney (PMDB-AP) fez ontem uma espécie de defesa prévia das 12 ações apresentadas pela oposição contra ele e que, minutos depois, começariam a ser analisadas (e arquivadas) no Conselho de Ética. O senador confirmou a prática de nepotismo e nepotismo cruzado, mas atribuiu as nomeações de parentes e amigos a aliados - como a própria filha, a senadora Roseana Sarney (PMDB-MA), que voltou ao governo do Estado, além dos também maranhenses Epitácio Cafeteira (PTB) e João Alberto, ex-senador e aliado incondicional da família.

Para comprometer a base governista, Sarney citou mais de uma vez o apoio dado a Lula, "que faz um governo excepcional". O presidente do Senado também usou o argumento de que os políticos são todos iguais - a mesma tática usada na Câmara pela bancada do PT, em 2005, para absolver os mensaleiros. "Todos aqui somos iguais. Nenhum senador é maior que o outro e, por isso, não pode exigir de mim que cumpra a sua vontade política de renunciar." Depois de dizer que não deixa a presidência, acrescentou: "O Senado é uma Casa onde todos temos o mesmo peso."

Sarney omitiu que foi dele a nomeação do ex-diretor Agaciel Maia, acusado de ser o autor de muitos dos desmandos administrativos da Casa, e que os atos secretos eram usados para, entre outras finalidades, nomear ou exonerar familiares que tinham os nomes mantidos em sigilo - como João Fernando Sarney, seu neto e funcionário fantasma da Casa, lotado no gabinete de Cafeteira.

SOBRINHAS

Além de confirmar que interferiu para empregar Henrique Bernardes, namorado da neta, Maria Beatriz, admitiu ter feito gestões políticas em favor da sobrinha Vera Portela Macieira Borges, lotada no gabinete do petista Delcídio Amaral (PT-MS). Enrolou-se ao explicar a situação de outra sobrinha, Maria do Carmo Macieira. Primeiro disse que não a conhecia. Depois afirmou que fora nomeada pela filha Roseana e argumentou: "A lei brasileira não passa responsabilidade da filha para o pai."

Ao justificar o emprego para o namorado da neta apelou para o lado sentimental. "Não há ninguém nesta Casa que negue o pedido de uma neta." Disse não conhecer Rodrigo Cruz - que vem a ser o genro do ex-diretor-geral Agaciel Maia. Rodrigo casou-se no último dia 18 de junho com a filha de Agaciel, Mayanna. Sarney foi o padrinho de casamento. Lembrado do "esquecimento" pelo senador Arthur Virgílio (PSDB-MA), ficou calado.

Negando que seja campeão de atos secretos, Sarney acabou constrangendo alguns colegas ao mostrar a estatística de quem mais usou esse dispositivo na presidência da Casa. Pelos dados que divulgou, o recordista foi o aliado Renan Calheiros (PMDB-AL), em cujo mandato na presidência do Senado foram editados 229 atos secretos, ante 106 do ex-presidente Garibaldi Alves (PMDB-RN). Sarney disse que de sua lavra são apenas 33 atos considerados secretos.

Sustentou ser vítima de uma campanha "sistemática e agressiva" para desestabilizá-lo no cargo e atingir o Senado. Negou, com auxílio de powerpoint, cada uma das acusações e avisou que não renuncia, não se licencia e, ao contrário, vai resistir até o fim.

CAMPANHA

Citou frases do estadista francês Georges Clemenceau (1841-1929) e de uma neurocientista brasileira para justificar a decisão de romper o silêncio que vinha mantendo diante da crise e vir a público explicar por que deve "resistir" na presidência e "não renunciar em nenhuma hipótese". Ele fez um apelo para que os colegas o julguem pelos atos, não pelas acusações que reputou como "levianas", "caluniosas" e "inverídicas", as quais, segundo ele, teriam sido disseminadas com o auxílio tendencioso da mídia.

Sarney disse que no início achava que as críticas eram só rescaldos da tumultuada eleição em que se tornou presidente do Senado, em fevereiro. "Mas era algo mais profundo: faziam parte de um projeto político e de uma campanha para desestabilizar", observou.

Grande parte do discurso foi usada para enaltecer seu papel na transição democrática, ao romper com o regime militar e se aliar a Tancredo Neves e Ulysses Guimarães e sua rebeldia contra o AI-5 e as cassações de parlamentares. Lembrou a antiga relação com Lula, desde os tempos em que este era líder sindical perseguido pela ditadura.

Sarney não esqueceu de lembrar sua passagem pela Presidência, com a morte de Tancredo, de quem era vice. "Coloquei minha cabeça a prêmio (...), mas abri caminho para o Plano Real."