Título: Câmbio real é o menor desde 1998
Autor: Pereira, Renée
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/08/2009, Economia, p. B5
Segundo economista, dólar atual, de R$ 1,82, é pior para exportador do que o R$ 1,56 de julho do ano passado
A valorização do real ante o dólar, intensificada nas últimas semanas, voltou a ser motivo de preocupação no Brasil. Do início do ano até agora, a moeda americana despencou 21,88%, de R$ 2,33 para R$ 1,82. O movimento derrubou a taxa de câmbio real (descontada a inflação) para o nível mais baixo desde 1998, segundo cálculo do economista-chefe da multinacional alemã Siemens, Antonio Corrêa de Lacerda, que também é professor do Departamento de Economia da PUC-SP.
Na prática, avalia ele, a cotação atual de R$ 1,82 compromete mais a competitividade brasileira do que a cotação de R$ 1,56 em julho de 2008, antes do aprofundamento da crise mundial. "O real está menos competitivo até mesmo comparado com o período anterior à maxidesvalorização cambial de 1999."
Apesar disso, no curto prazo, não há expectativa de reversão desse quadro. Ao contrário. A previsão dos economistas é de que o dólar feche o ano mais próximo de R$ 1,70 do que de R$ 1,90. A razão principal é o movimento dos investidores estrangeiros, que voltaram a apostar em ativos mais arriscados, como o de países emergentes, entre eles o Brasil.
Só na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), o saldo de capital externo somava R$ 13 bilhões até 4 de agosto. No setor produtivo, que recebe o chamado investimento de longo prazo, a cifra atingiu US$ 11,2 bilhões até maio. A explicação está na recuperação mais rápida da economia brasileira diante de países desenvolvidos.
Todo esse entusiasmo dos estrangeiros com o País, porém, já começa a incomodar o setor industrial, especialmente aquele voltado à fabricação de produtos manufaturados. Para eles, o governo deveria tomar medidas para controlar o nível de capital especulativo no País de forma a manter a taxa de câmbio equilibrada e competitiva.
"O movimento de queda do dólar é um desastre, especialmente porque nosso principal concorrente (China) tem um câmbio fixo e ainda recebe subsídio", afirma o diretor superintendente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecções (Abit), Fernando Pimentel. Ele afirma que o resultado da desvalorização do dólar ante o real só será sentido em 2010, já que, neste ano, as exportações de commodities devem garantir o superávit da balança comercial do País.
Outra reclamação vem do setor calçadista, cuja participação no mercado internacional vem minguando a cada ano. No primeiro semestre deste ano, a indústria exportou 30% menos, e a expectativa para o segundo semestre não é das melhores, segundo o presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), Heitor Klein. "Para nós, o câmbio é uma variável muito importante. Hoje ela já não compensa mais outros fatores de competitividade deficientes no Brasil, como é o caso da carga tributária e da infraestrutura."
Além da queda do dólar, a volatilidade da moeda tem causado enormes prejuízos para os exportadores, diz o vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro. Isso porque as empresas não sabem qual cotação usar para fechar seus contratos.
Para o diretor adjunto do Departamento de Relações Internacionais e Comércio Exterior da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), Ricardo Martins, a situação da indústria nunca foi tão ruim como agora. "Sofremos com o efeito da crise mundial, que reduziu a demanda, e agora com a queda do dólar, que poderia ser um fator de competitividade do País." Na avaliação dele, no entanto, não existe uma grande saída para esse problema.
Hoje, nem mesmo o discurso de redução da taxa de juros para controlar a cotação do dólar pode ser usado, já que a Selic está no menor nível da história, em 8,75% ao ano, e o juro real, em 4,4%. O ex-diretor do Banco Central (BC) José Júlio Senna destaca que a desvalorização do dólar em relação ao real reflete o comportamento da moeda americana no exterior.
"É muito difícil vencer uma tendência de desvalorização lá fora. Não tem jeito. É preciso aceitar", diz Senna. Na opinião dele, há outras maneiras para melhorar a competitividade do Brasil, como a redução da carga tributária e dos custos logísticos, além do investimento no capital humano.