Título: Para governos, mudança não fere tratado de Itaipu
Autor: Landim, Raquel; Marin, Denise Chrispim
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/07/2009, Economia, p. B3

Acordo é polêmico e deverá enfrentar resistências políticas e questões técnicas

Os governos de Brasil e Paraguai avaliam que não rompem o tratado de Itaipu ao autorizar a estatal paraguaia Administração Nacional de Energia (Ande) a vender sua parcela de energia de Itaipu no mercado livre brasileiro. Portanto, não seria necessário enfrentar um desgastante processo de aprovação do acordo no Congresso. O problema é que a interpretação não é consenso no Brasil.

Outro ponto polêmico é colocar em prática a entrada da Ande no complexo mercado brasileiro de energia. Os governos concordaram que o processo será gradual, com a venda inicial de apenas uma pequena parcela da metade paraguaia dos 90 mil gigawatts/hora produzidos por Itaipu. Mas o acerto dos porcentuais e do cronograma só deve ocorrer no futuro.

A expectativa é que os presidentes do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e do Paraguai, Fernando Lugo, assinem o acordo na próxima sexta-feira, na reunião de Cúpula do Mercosul. Mas, por enquanto, seria apenas um ganho político de Lugo, porque a parte mais técnica da negociação ficaria para depois.

Os paraguaios só conseguiram a aprovação de Lula com o argumento de que a mudança não fere o acordo de Itaipu. A tese se apoia no segundo e terceiro artigos do tratado, que estabelece que a energia de Itaipu deve ser adquirida pela Eletrobras, pela Ande ou até por empresas indicadas.

Mas não é a visão da diretoria brasileira da binacional. A posição já divulgada é que o parágrafo 21 do acordo esclarece que Eletrobrás e Ande só podem adquirir a energia que não for utilizada pelo outro país para consumo próprio. Fontes do governo contrárias à concessão argumentam ainda que o Brasil se endividou para construir a usina e agora precisa da energia para seu abastecimento.

A opção de venda da energia no mercado livre brasileiro significará, para o Paraguai, a exposição a um risco de perda de receita, advertiu o diretor-geral brasileiro da Itaipu Binacional, Jorge Samek. Se o Paraguai desistir, poderia ser favorecido por um aumento no preço atual de venda à Eletrobrás. Segundo Samek, a medida está em estudo pelo governo, mas será adotada somente se o impacto final nos preços ao consumidor for considerado pequeno.

"Hoje, o Paraguai tem uma margem de conforto. O tratado de Itaipu prevê que a Eletrobrás está obrigada a comprar a energia não consumida pelo Paraguai pelo preço definido no contrato, mesmo que haja excesso de oferta e o preço seja menor no mercado brasileiro", explicou Samek.

Ele disse que o sistema elétrico vem sendo exaustivamente detalhado aos técnicos paraguaios - leilões, contratos de longo prazo e, em especial, o fato de a energia ser barata no País. Em momentos de estiagem, os valores podem alcançar picos - em janeiro de 2008, superaram R$ 500 por megawatt/hora. Mas logo despencam. O preço da energia no mercado livre válido para a próxima semana é de R$ 21 por megawatt/hora nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. O preço fixo estipulado no contrato firmado entre a Eletrobrás e a Ande - US$ 45 ou R$ 86,99 - é três vezes superior.

MERCADO COMPLEXO

Segundo um dos principais negociadores, o acesso da Ande será obrigatoriamente gradual porque o mercado brasileiro de energia é muito complexo. Ele acredita que os paraguaios deveriam buscar sócios locais, que conheçam o mercado, e possam conseguir clientes fixos e confiáveis. Assim, começam a se preparar para 2023, quando o tratado será renegociado.

Uma posição que chegou a ser defendida por técnicos do governo brasileiro é que o Paraguai comercialize apenas a "energia adicional" de Itaipu, ou seja, o que a usina produz em um ano de boas chuvas, que supera os 75 mil gigawatts/hora de "energia assegurada" nos contratos com as distribuidoras. No ano passado, Itaipu produziu o recorde de 94 mil gigawatts/hora. O problema é que o Paraguai dificilmente vai conseguir um cliente fixo para a "energia adicional".

Os paraguaios recebem R$ 16 por megawatt de energia adicional da Eletrobrás, o que significa R$ 120 milhões por cerca de 7,5 mil gigawatts/hora (a metade paraguaia da energia adicional). Nos preços atuais do mercado livre, seriam R$ 157,5 milhões. Em janeiro de 2007, quase R$ 3,75 bilhões.COLABOROU RENÉE PEREIRA