Título: A aposta no esfriamento
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Fonte: O Estado de São Paulo, 18/07/2009, Notas & Informações, p. A3

Na véspera do recesso parlamentar, que começou ontem e termina oficialmente em 1º de agosto, membros da tropa de choque do presidente do Senado, José Sarney, trataram de difundir a previsão de que esse período de duas semanas, a que se seguirá, com poucos dias de intervalo, o início dos trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Petrobrás, tirará o seu combalido chefe do centro das atenções do noticiário político. Segundo o prognóstico, ou melhor, a expectativa que esperam ver convertida em realidade, doravante a prioridade da imprensa, municiada pela oposição, será a divulgação de presumíveis irregularidades na estatal. Com isso, os escândalos que envolvem diretamente o oligarca e o seu clã - dos atos secretos que os beneficiaram aos desvios de dinheiro na Fundação José Sarney - esfriarão, ou até sairão de cartaz.

Curiosa a cabeça desses políticos. Eles acham, ou querem fazer crer, que a sequência de revelações que há meses mantêm o senador na berlinda não é escabrosa o bastante para resistir a uma nova temporada de possíveis denúncias, dessa vez referidas a uma personagem incomparavelmente maior, como a Petrobrás. A ideia por trás do argumento é que a imprensa não tem fôlego para fazer duas coisas ao mesmo tempo nem a sociedade manterá o interesse pelas lambanças no Senado quando começar o espetáculo da CPI. Há, nessa visão cínica, uma confusão provavelmente deliberada. O cenário para a sobrevivência de Sarney no posto que ocupa pela terceira vez, para não falar do seu mandato, está montado dentro da própria instituição. Pelo menos a curto prazo, a sua sorte não depende da continuidade das apurações jornalísticas que possam desentranhar evidências adicionais sobre os seus procedimentos e os de sua laboriosa família no eixo São Luís-Brasília.

O que deve sustentá-lo por ora é a armação que depositou no comando do Conselho de Ética da Casa - já não bastasse a maioria de 2/3 que o governo nele detém -, a figura ominosa do senador sem-voto pelo PMDB fluminense, Paulo Duque. Até para os padrões da baixa "política de compadrio" que dias atrás o presidente Lula fingiu condenar, ele é um tipo excepcional. Transmite a impressão de não estar na plena posse das faculdades mentais, tamanhas as barbaridades que profere, mas, na realidade, o que lhe falta é outra coisa: a mais tênue noção do que sejam escrúpulos. Quando Renan Calheiros, o líder do seu partido e primeiro centurião de Sarney entre os seus pares, o pinçou para o cargo, foi como se tivesse a calculada intenção de arrastar à lama o colegiado responsável pelo julgamento dos atos dos senadores que atentem ao decoro parlamentar.

Pois não apenas o desbocado - e debochado - político de 81 anos fará o que for preciso para barrar as denúncias e representações contra Sarney que se acumulam no Conselho, mas porque, no naufrágio moral da Casa, o seu descaramento e a sua subserviência encarnam o que dela possa ter descido mais depressa e mais profundamente. Ele está para o Senado como o deputado gaúcho Sérgio Moraes, o que disse que se "lixava" para a opinião pública, está para a Câmara. Duque prefere dizer que a opinião pública não o preocupa porque "é muito volúvel" e feita pelos jornais, "tanto que (?) estão acabando". Mas, afinal, as suas palavras não deveriam espantar. Ainda ontem, em mais um discurso autocongratulatório, diante de um plenário praticamente vazio, por sinal, Sarney posou de vítima de "uma campanha pessoal contra mim", iniciada por este jornal, "obrigando (?) os outros jornais e a televisão a repercuti-la".

Nesse panorama desalentador, em que o Conselho de Ética do Senado foi exposto à mais completa desmoralização, enquanto o presidente da Casa recorre à esfarrapada teoria conspiratória para se desvencilhar de fatos objetivos que o atingem - e outro não é o motivo pelo qual repercutem -, a única manifestação inequivocamente honesta, o único lampejo de dignidade foi proporcionado pelo sindicato dos pizzaiolos de São Paulo. Ofendidos, estes sim com razão, pelo uso pejorativo do termo clássico que designa a sua atividade, num rompante do presidente Lula contra os senadores oposicionistas, ressalvaram em nota que exercem "uma profissão que merece respeito". Decerto não era a sua intenção, mas acabaram criando um símbolo do contraste entre a sociedade civil e o estamento político que a despreza.