Título: Com o PAC no cálculo do superávit, a conta não fecha
Autor: Andrade, Renato
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/07/2009, Economia, p. B4

Economista vê pouca atenção à real deterioração das contas públicas

Para o economista Alexandre Marinis, da Mosaico Consultoria Política, "o mercado está míope e não está olhando a deterioração das contas públicas da maneira que deveria". Ele está muito preocupado com a intenção do governo de, já em 2009, deduzir os investimentos do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) da meta de superávit primário do governo central.

Para Marinis, as razões para o que considera um "artifício contábil" são óbvias: "As contas não fecham sem isso".

O economista estimou em R$ 13,1 bilhões a diferença entre o superávit primário que o governo central se comprometeu a fazer, de R$ 42,8 bilhões, e o que ele efetivamente conseguirá fazer, que pelos seus cálculos chegará a R$ 29,7 bilhões.

Para chegar a esses números, Marinis partiu da constatação de que o comportamento das contas primárias (excluem juros) do governo central ao longo do ano é muito estável desde que o atual regime fiscal foi iniciado, em 1999. Assim, seu cálculo indica que, nos primeiros cinco meses, 40% da receita líquida é acumulada e 36% da despesa é realizada.

Se isso for correto, a receita acumulada em 2009, levando em consideração que de janeiro a maio foi de R$ 234,5 bilhões, atingiria R$ 593 bilhões. Mas o economista levou em consideração que 2009 pode ser um ano excepcional, que começou numa recessão e pode melhorar sensivelmente no segundo semestre. Assim, ele preferiu projetar para o ano uma receita líquida do governo central 6,5% maior que a de 2008, o que dá R$ 621,2 bilhões.

Para as despesas, que acumularam R$ 215,2 bilhões até maio, ele simplesmente pressupôs que este valor corresponde a 36% do total, de acordo com a tendência histórica. Isso daria uma despesa total em 2009 de R$ 591,5 bilhões. Deduzindo-se as despesas das receitas, o governo central teria um superávit primário em 2009 de R$ 29,7 bilhões.

Para chegar aos R$ 42,8 bilhões prometidos, bastaria descontar o orçamento total do Projeto Piloto de Investimentos (PPI), de R$ 13,1 bilhões em 2009, da meta. O problema, porém, como lembra o economista, é que o governo nunca conseguiu investir todo o orçamento do PPI, e chegou em 2008 a um máximo de 63%. Supondo que chegue a 64% em 2009, isso representa R$ 10 bilhões, que abatidos da meta de superávit primário, baixam-na para R$ 32,8 bilhões, ou um total de R$ 3,1 bilhões acima dos R$ 29,7 bilhões que Marinis projeta para o ano.

Ele ressalva que se pode supor que o governo avance um pouco mais no PPA, o que reduziria aquela defasagem. Além disso, com o próprio economista admite, "R$ 3 bilhões não é muita diferença".

A sua grande preocupação, porém, é que há um problema adicional, envolvendo defasagens bem maiores. A meta de superávit primário das estatais federais é de R$ 6,1 bilhões, e, de janeiro a maio, elas tiveram um déficit de R$ 4,1 bilhões. "A diferença é de R$ 10 bilhões, e, agora que a Petrobrás saiu das contas do superávit primário, o governo tem muito menos controle do resultado das estatais", frisa o economista.

Ele lembra que o governo central tem obrigação legal de cobrir o não cumprimento da meta das estatais, o que o coloca numa posição ainda mais difícil. É por isso, segundo Marinis, que se planeja descontar os investimentos do PAC, o que exige que se proponha uma lei ao Congresso.

O economista, que já não aprova o uso do PPI para reduzir a meta efetiva do superávit primário, acha péssimo o precedente do uso do PAC. Ele lembra que o desconto potencial começou com o PPI em 2005, como 0,15% do PIB, e já subiu para 0,65% em 2010, quando todo o PAC poderá ser descontado.

"Isso é uma forma torta de reduzir o superávit primário, e acho que há incentivo para que o desconto seja cada vez maior, inclusive com o risco de que os políticos interfiram na escolha de projetos, o que compromete a sua qualidade e vai totalmente contra o espírito inicial do PPI, que era de investimentos vantajosos do ponto de vista da relação custo-benefício, e com alto retorno econômico e fiscal", ele conclui.

Do ponto de vista macroeconômico, Marinis acha que o uso do PPI e do PPA para reduzir a meta do superávit primário desancora as expectativas fiscais, aumenta a percepção de risco sobre a trajetória dívida-PIB, e deve levar a juros mais altos, já que a política fiscal se enrijece numa feição expansionista. O resultado é menor crescimento econômico e risco de instabilidade.