Título: Aperto fiscal da União pode ser só de 1% do PIB
Autor: Otta, Lu Aiko; Fernandes, Adriana
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/07/2009, Economia, p. B3

Com corte do superávit, governo poupa menos para gastar mais

Para conciliar tantos gastos novos com uma arrecadação fraca, a saída encontrada pelo governo foi poupar menos. Todos os anos, o governo deve gastar menos do que arrecada para que sobre um saldo, chamado superávit primário, utilizado para pagar parte da dívida pública. Existe uma meta para todo o setor público (governos federal, estaduais, municipais e empresas estatais). A meta de 2009 foi cortada. A de 2010 foi mantida, mas foram criadas brechas jurídicas que, na prática, a reduzem.

A meta de 2009 para todo o setor público era de 3,8% do Produto Interno Bruto (PIB). Ela caiu para 3,3% do PIB com a exclusão da Petrobrás da contabilidade. Depois, foi cortada para 2,5% do PIB. Desses, a parte do governo federal é de 1,4%. Porém, o Executivo quer abater também os investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que somam 0,65% do PIB. Assim, o que a União teria de economizar seria 0,75% do PIB. A cifra pode ser ainda menor, se o governo usar os recursos do Fundo Soberano ainda em 2009 - mas não é esse o plano.

Para 2010, a meta ficou em 3,3% para o setor público, dos quais 2,15% cabem ao governo federal. Desses, o governo quer abater 0,65% do PIB correspondentes ao PAC, mais 0,5% do Fundo Soberano. Assim, o aperto fiscal da União será de apenas 1% do PIB. A conta pode subir para 1,05% do PIB se passar a proposta, em análise no Congresso, que reduz a meta para Estados e municípios.

BRECHAS

O desconto do PAC em 2009 e 2010 ainda não é certo. A autorização está em discussão no Congresso. Se ela passar, o governo terá um segundo problema: acelerar os gastos com investimentos. O PAC só pode ser descontado da meta de superávit primário se sair do papel. A experiência dos dois últimos anos mostra que não é tarefa fácil.

Em 2007 e 2008, "sobrou" a maior parte do dinheiro reservado para o programa, pela dificuldade de executar os projetos. Com tantas brechas, há técnicos avaliando que está fácil cumprir a meta de superávit primário deste ano. Eles calculam que o governo precisaria economizar apenas R$ 1 bilhão ao mês para chegar a dezembro com seu objetivo atingido.

"Não digo que está fácil", disse ao Estado o secretário do Tesouro, Arno Augustin. Ele acha que será possível cumprir a meta de 2009 sem descontar o PAC nem usar o Fundo Soberano. Para tanto, conta com a melhora da arrecadação na segunda metade do ano.

O ano de 2010, acredita o secretário, será parecido com 2008 e 2007, ou seja, será um ano com receitas mais fortes. O secretário rebate as críticas de que está havendo uma deterioração da política fiscal. "Isso não é verdadeiro. A tendência é de redução da relação entre dívida líquida e PIB. São decisões maduras e tranquilas."

Segundo ele, a possibilidade de descontar o PAC do primário não foi feita para aumentar a margem de gasto, e sim para tornar mais claras as contas públicas. Atualmente, o que pode ser descontado do primário é o Projeto Piloto de Investimento (PPI), no valor de 0,5% do PIB. Os projetos do PPI são praticamente os mesmos do PAC, por isso os dois foram igualados.

?FRENESI GASTADOR?

O economista Fernando Montero, da corretora Convenção, avalia que a economia poderá retomar o crescimento de 5% a 6% reais em 2010, se o governo contiver o "frenesi gastador". Ele calcula que, se as despesas crescerem 3% menos que as receitas, a meta será alcançada.

Parece simples, mas os números deste ano mostram que o desafio é grande. De janeiro a maio, as despesas cresceram 18,5% sobre igual período de 2008. No mesmo período, as receitas tiveram crescimento zero. As pressões por gastos continuam e tendem a se acentuar. "O problema é o ano eleitoral, o gatilho do mínimo, o arrasto de 2009 e uma montanha de acordos salariais", disse Montero.

Até recentemente, o País emergente que reduzisse a meta de superávit primário para gastar mais seria malvisto pelo mercado. A decisão indicaria uma menor disposição de pagar dívidas, assustando os investidores. Agora, um volume maior de gastos públicos é mais tolerado, pois as principais economias do mundo também estão numa fase "gastadora", no combate aos efeitos da crise.

De fato, os economistas do mercado financeiro veem, no curto prazo, um aumento mas não um descontrole da dívida pública. Na pesquisa Focus da semana passada, projetava-se a dívida em 40,4% do PIB no fim do ano (ante 39,95% na semana anterior) e a 39,19% do PIB em 2010 (ante 38,4% na semana anterior). O aumento das pressões de gastos e a proximidade do ano eleitoral, porém, deixam os analistas em alerta.

O problema não é esse, segundo Montero. "O problema é o que vai acontecer quando sairmos da crise. Vai ter menos espaço para crescer." Se o aumento da despesa do governo seguisse o padrão internacional e fosse do tipo com começo, meio e fim - como a construção de obras de infraestrutura, por exemplo - não haveria problema. "O pior da demanda criada pelo governo é que ela não é transitória", disse Montero.

O tipo de gasto que vem crescendo, como salários, benefícios previdenciários e programas de assistência é aquele que não se pode cortar. Assim, sobra menos espaço para investir e tornar a economia mais eficiente. E, num momento de crise, o que hoje parece ser uma despesa controlada pode virar um pesadelo.