Título: Expansão fiscal preocupa investidores no mundo todo
Autor: Modé, Leandro
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/07/2009, Economia, p. B4

No Brasil, governo elevou gastos e diminuiu superávit primário; mesmo assim, ex-BCs veem exagero em reação

A forte puxada na curva futura de juros não é exclusividade brasileira. Nos Estados Unidos, por exemplo, a expectativa do mercado financeiro é que a taxa básica, hoje em um intervalo de 0 a 0,25% ao ano, suba para 1,5% no ano que vem. No Chile e no México, o movimento é parecido.

"Existe um consenso de que a economia global começará a se recuperar em 2010. Logo, os juros no mundo todo terão de ser realinhados (para cima)", diz o estrategista do banco WestLB no Brasil, Roberto Padovani.

"Não podemos esquecer que os governos jogaram trilhões de dólares nas economias para evitar uma depressão. Portanto, há um risco fiscal grande, que pode se traduzir em inflação lá na frente", completa outro analista.

Esse é um dos fatores técnicos que os especialistas citam para explicar por que o chamado prêmio de risco (uma espécie de sobrepreço) embutido nas taxas de juros futuras está alto. Mas há outras questões que têm a ver só com o Brasil.

A primeira delas é o risco político - relacionado à sucessão presidencial em 2010 e a uma possível saída do presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles, para candidatar-se ao governo de Goiás. Ele tem até setembro para se filiar a algum partido e até março de 2010 para deixar o cargo atual.

A segunda é a expansão fiscal promovida pelo governo Lula em 2009, com a justificativa de combater os efeitos da crise mundial no Brasil. O analista Felipe Salto, da Tendências Consultoria, lista nove itens que, segundo ele, aumentaram o risco da situação fiscal brasileira e acenderam o sinal amarelo.

Alguns deles: elevação de 23% dos gastos de custeio da máquina administrativa entre maio de 2008 e o mesmo mês de 2009, para R$ 40,5 bilhões; reajuste do funcionalismo público, que elevará as despesas do governo federal em R$ 21,5 bilhões só em 2009; renúncia fiscal, que pode chegar a R$ 25 bilhões; redução da meta de superávit primário, a economia que o governo faz para pagar os juros da dívida pública, de 3,3% para 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB), com chance de uma piora ainda maior.

"Risco fiscal significa risco de inflação, que, por sua vez, se transforma em prêmio de inflação", explica o ex-presidente do Banco Central (BC) Affonso Celso Pastore. "Há um pessimismo maior com a questão fiscal", completa Gustavo Loyola, outro ex-presidente do BC.

Muitos analistas ponderam que, assim como ocorre no mundo todo, os juros no Brasil estão hoje abaixo do nível considerado de equilíbrio. A taxa básica Selic está no menor nível da história (9,25%) e a taxa real (que desconta a inflação), também - levando em conta as projeções futuras para a evolução dos preços, está na faixa de 4,5%.

"Muitos no mercado avaliam que parte dos recentes cortes do juro básico é transitória", diz a economista-chefe do Banco ING, Zeina Latif. Ela mesma acredita que o BC deveria manter a Selic inalterada na reunião desta semana do Comitê de Política Monetária (Copom).

Nem todos, evidentemente, concordam com essa análise. O ex-ministro das Comunicações e estrategista-chefe da Quest Investimentos, Luiz Carlos Mendonça de Barros, avalia que há no Brasil investidores ultraortodoxos, especialmente bancos, que acreditam que o juro tem de ser estruturalmente mais alto. "Esse grupo de pessoas bastante influentes não acredita que o juro real possa estar perto de 4%, mas deve ficar em ao menos 8%."

Independentemente dos fatores que provocam esse prêmio nos juros futuros, Pastore e Loyola avaliam que há certo exagero no mercado. Pastore observa que, se forem levadas em conta as expectativas de mercado para a inflação futura (4,5% para 2009 e 4,4% para 2010, ambas dentro da meta), fica claro que há um prêmio excessivo. Loyola vai além e diz concordar plenamente com o puxão de orelhas que Meirelles deu no mercado.