Título: Todos são igualmente responsáveis
Autor: Arruda, Roldão
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/07/2009, Nacional, p. A10

O inferno zodiacal vivido pelo Senado, segundo o ex-ministro, é fruto de uma administração liberal demais, por anos a fio

Gabriel Manzano Filho

O Congresso vive hoje "um inferno zodiacal", mas por pura responsabilidade de seus integrantes, "pois nenhum rejeitou as benesses descabidas e todos são igualmente responsáveis", afirma o jurista e ex-ministro da Justiça Célio Borja. Velho batalhador da antiga UDN, que investia contra o "mar de lama" do governo Getúlio Vargas nos anos 50, Borja - que era ministro do Supremo Tribunal Federal durante a presidência de José Sarney - entende, porém, que o Executivo tem muita responsabilidade na história. Interfere na elaboração das leis, na rotina legislativa através de seus líderes nas duas casas, na formação das comissões, "e por isso não pode eximir-se de suas responsabilidades". Abaixo, a entrevista concedida ao Estado.

Se um investigador sério fosse avaliar agora o que ocorre no Senado, como tipificaria os crimes lá denunciados?

Pelo que se lê nos jornais, fica patente o abuso de autoridade de um lado, de outro a complacência dos senadores - todos, sem nenhuma exceção, pois nenhum rejeitou as benesses descabidas e todos são igualmente responsáveis. Mas o que comumente acontece, em nosso País, é que ao invés de se examinar a fundo, procura-se nos desastres coletivos um responsável individual. Isso é regra, também, entre outros povos. O responsável da vez é o presidente do Senado.

O presidente Lula é acusado de fazer jogo político para dominar o Congresso. Qual o peso do Executivo, e dos outros poderes, no atual descrédito dos parlamentares?

Quanto ao Judiciário, ele não tem a iniciativa de uma investigação. Um juiz tem de ser provocado para agir. Quanto ao Executivo, a velha doutrina constitucional sempre afirmou que o chefe do governo é o primeiro líder legislativo do País. Cabe-lhe nomear, em países de Constituição liberal e democrática, como é o nosso, um deputado e um senador para representá-los nas duas casas. Essas figuras, os líderes do governo, têm um papel relevantíssimo, ocupam o segundo lugar na hierarquia depois dos dois presidentes. Suas prerrogativas e atribuições são consideráveis.

Ou seja, o governo não pode fazer de conta que nada tem a ver com isso.

Sim, ele não tem como se eximir. O Executivo interfere na elaboração das leis, no trabalho diário legislativo, na formação de comissões. A tarefa de seus líderes é buscar a maioria e direção delas - veja-se as batalhas diárias pelas CPI das ONGs ou a da Petrobrás. Também tem peso enorme na definição das comissões permanentes, por onde andam projetos e interesses de todo tipo. Enfim, o Executivo não pode se proclamar imune àqueles desmandos.

Mas a dominação é facilitada pelos dominados.

Sim, e por isso o Congresso vive hoje um inferno zodiacal. É o fruto de uma administração liberal demais, que se estendeu por anos a fio. Isso começou com a mudança para Brasília, quando o governo e os comandos de Câmara e Congresso se sentiram na obrigação de oferecer um certo atrativo para que servidores e políticos trocassem o Rio pela nova capital. Vieram as dobradinhas para o funcionalismo, os apartamentos funcionais, as passagens aéreas gratuitas...

Quando o presidente Lula diz que ?há bons pizzaiolos? no Congresso, está cometendo algum crime passível de punição? É possível comparar isso com antigos abusos, como os praticados pelo regime militar?

Não, isso seria uma comparação injusta. Lula não é um militar, não está impondo nada. O que o presidente fez foi usar uma linguagem imprópria para se referir a outro Poder. Às vezes ele se esquece de que é o presidente da República e não mais um líder sindical. Isso não configura crime de responsabilidade, apenas má educação cívica. A censura que merece é um pito, como a gente dá nas crianças malcriadas.

Um analista afirmou, há alguns dias, que o Brasil vive um tipo de absolutismo, pois não há ninguém em condições de discordar do presidente. É verdade?

Formalmente, vivemos a separação dos poderes, com limitações bem definidas às atribuições do presidente. Mas o regime é também representativo, fundado no voto. E quem tem o voto manda. Isso ocorre também no parlamentarismo, emque governantes têm maioria na câmaras e são praticamente onipotentes, podendo mudar as regras da convivência política. Aqui acontece o mesmo. Não se pode confiar muito nos mecanismos formais de contenção do poder.

Então o País vai confiar em quê?

Temos de apelar, nessas situações, para a consciência política civilizada. E infelizmente, no momento, isso nos falta. Por isso não me sinto capaz, agora, de divisar o futuro, nem das instituições nem do Brasil. Muita gente pensa que os velhos são magos, anteveem o futuro. Não é verdade. Eu sou velho e, como dizem os espanhóis, o diabo sabe mais por velho do que por diabo, mas não ouso adivinhar o que virá. Apenas ouso acreditar que o Brasil irá para a frente. Ele cresce, tem objetivos permanentes e consciência deles, tem um sentimento comum a todo o povo e isso garante sua sobrevivência e seu desenvolvimento.

Com as instituições enfraquecidas e desafiadas?

As instituições estão passando por um teste tão forte que o que me espanta é a passividade da inteligência brasileira. Não se propõe nada substancial. Tudo é perfunctório. Mudar isto aqui, aquilo ali, o financiamento, como se o financiamento público eliminasse as imoralidades que se praticam nas campanhas eleitorais.

Quais seriam as grandes?

Na minha visão, a primeira grande tarefa seria forçar a descentralização política e administrativa. Restabelecer a federação em sua pureza, acabando com o centralismo. Voltar ao pleno exercício da liberdade política, acabando com a regulamentação dos partidos. Reduzir as funções do Estado central, transferindo grande parte das tarefas públicas para os Estados e, em escala maior, para os municípios.

Vê algum dos candidatos para 2010 pensando nisso?

Nenhum. E cada vez que tento lançar essas ideias vejo que caem no vazio.