Título: Afeganistão tem eleição histórica
Autor: Sant'Anna, Lourival
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/08/2009, Internacional, p. A18

Karzai, atual presidente, é favorito na votação de quinta-feira; prioridade dos eleitores é a segurança, diz pesquisa

CABUL

Tamanho do texto Os afegãos vão às urnas na quinta-feira, na segunda eleição presidencial de sua história, para escolher quem está mais preparado para garantir sua segurança na fase mais violenta do conflito desde a invasão americana, em outubro de 2001. O presidente Hamid Karzai, candidato à reeleição, é o favorito nas pesquisas graças a sua experiência e capacidade de atrair o apoio da comunidade internacional e dos líderes tribais. Seu principal oponente, o ex-chanceler Abdullah Abdullah, possui as credenciais de ter lutado contra os soviéticos e os taleban ao lado do lendário general tajique Ahmed Shah Massud, morto em um atentado dois dias antes dos ataques de 11 de setembro de 2001.

Segundo pesquisa divulgada na sexta-feira pelo Instituto Republicano Internacional (IRI), ONG americana que monitora o processo eleitoral no Afeganistão, 44% dos eleitores pretendem votar em Karzai. Em segundo vem Abdullah, com 26%, seguido pelo ex-ministro do Planejamento e deputado Ramazan Bashardost, com 10%, e pelo ex-ministro das Finanças Ashrafi Ghani, com 6%.

A sondagem, que ouviu 2.400 afegãos em todo o país, revela que a segurança é o problema mais importante para 34% dos entrevistados. Para outros 5%, são os conflitos internos e para 2%, o terrorismo. O desemprego é apontado por 17% e a economia, por 16%. A corrupção vem depois, com 4%, ao lado da pobreza e do analfabetismo.

Na eleição de 2004, Karzai, chefe do governo interino desde 2002, elegeu-se no primeiro turno, com 55,4% dos votos. Desta vez, se as pesquisas estiverem certas, haverá segundo turno seis semanas depois da votação.

Karzai tem respondido ao conflito buscando assegurar o apoio da comunidade internacional e boas relações com os vizinhos Paquistão, Índia e Irã, aumentando o número de soldados e policiais afegãos - atualmente 92 mil e 83 mil, respectivamente -, aliando-se aos líderes tribais e ex-comandantes mujaheddin (que resistiram à ocupação soviética), e acenando com diálogo com os taleban depois da eleição.

OPOSIÇÃO

Em 2001, Karzai emergiu do exílio como o favorito dos americanos e europeus para governar o país, sendo confirmado por uma loya jirga (assembleia de líderes tribais) em dezembro daquele ano. Nos últimos meses, esse apoio tem sofrido severa erosão, com críticas de corrupção e incompetência administrativa.

Ainda assim, o presidente é favorecido pela dispersão dos adversários. "Se a oposição estivesse unida, o quadro seria outro", analisa Haroun Mir, diretor do Centro de Pesquisas e Estudos de Políticas do Afeganistão. A cédula terá 42 nomes, embora 6 tenham retirado suas candidaturas em favor de outros. "Para os afegãos, a maioria (perto de 90%) analfabeta, será muito confuso identificar os candidatos em fotos pequenas. Karzai, o mais conhecido, levará vantagem", prevê Mir.

Segundo o analista, o presidente é visto como um bom conciliador e um mau administrador. "Ghani, doutor em antropologia pela Universidade de Columbia, foi o que apresentou nos debates as propostas mais sólidas, mas tem apelo apenas entre os intelectuais", diz Mir.

"Sei que Karzai não é o mais instruído, mas vou votar nele porque ainda tem apoio internacional e, com cinco anos de experiência como presidente, é capaz de enfrentar os problemas internos e externos", afirma Ghazal Hassan, de 24 anos, formada em ciência política e funcionária do Ministério das Relações Exteriores.

"Karzai tem mais experiência e pode atrair a atenção do mundo para o Afeganistão", diz Rahman Gul, de 22 anos, que abriu uma loja de cortinas no ano passado e vai bem nos negócios. Filho de feirante, ele diz que o comércio de frutas também melhorou muito graças à melhora do escoamento das províncias para Cabul.

O Afeganistão produz damascos, maçãs, melancias, melões, amêndoas e nozes de excelente qualidade. Mas elas são vendidas a preços baixos no mercado interno por causa da dificuldade de exportá-las. O Paquistão impede a passagem dos produtos para o melhor mercado da região, a Índia, com a qual se mantém em estado de guerra. Os EUA não deixam os afegãos exportar para seu inimigo, o Irã, outro mercado atraente da região.

Nesses anos de ocupação, floresceu uma classe média instruída, que trabalha para as agências internacionais e para as forças estrangeiras, recebendo em dólar. Mas ela representa entre 10% e 15% da população. "Entre 40% e 50% dos afegãos, especialmente jovens das cidades, não têm emprego decente", diz Mir.

Shoiab, de 25 anos, que como muitos afegãos não tem sobrenome, voltou há três anos do Irã, onde trabalhava como metalúrgico, porque lhe disseram que a reconstrução do Afeganistão demandava mão de obra. Não conseguiu emprego e está desapontado com Karzai. "Vou votar em Abdullah, porque ele nunca saiu do Afeganistão e conhece nossa situação muito bem", diz.

Educado na Índia, Karzai viveu no exílio durante o regime do Taleban (1996-2001). "Abdullah participou da jihad (guerra santa) contra a União Soviética e da resistência contra o Taleban, sempre esteve no Afeganistão e conhece nossa dor muito bem", afirma Tawab Rahman, de 22 anos, estudante do ensino médio e também desempregado. COMENTÁRIOS