Título: Falha do governo, não do TCU
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Fonte: O Estado de São Paulo, 19/08/2009, Notas & Informações, p. A3
Vai mal o programa de obras federais, apesar das promessas do presidente Lula de promover grandes investimentos em infraestrutura. Problemas graves foram apontados em um terço dos projetos fiscalizados em 2008 pelo Tribunal de Contas da União (TCU). De um total de 153, foram reprovadas 48 obras - algumas por causa de irregularidades graves. As operações de controle devem chegar a 219 neste ano. Ainda não há um balanço de problemas encontrados, mas, a julgar pela experiência dos últimos anos, o resultado não deverá ser muito melhor. Em muitos casos a fiscalização resulta em paralisação dos trabalhos. A construção do novo aeroporto de Vitória foi interrompida há mais de um ano, em julho de 2008. Na semana passada, ao visitar obras da Ferrovia Norte-Sul, o presidente Lula voltou a criticar o TCU, acusando-o de prejudicar o País. Segundo ele, "não é justo mandar parar uma obra, mesmo quando haja algo errado". Seria melhor, acrescentou, fazer as correções sem paralisar os trabalhos.
A insatisfação exibida pelo presidente está ligada, obviamente, a seu envolvimento cada vez mais intenso na campanha para as eleições de 2010. Ele tenta apresentar à opinião pública a imagem de um governo empenhado em converter o Brasil num canteiro de obras. Qualquer obstáculo à execução dos projetos, especialmente daqueles incluídos no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), contraria os objetivos políticos do presidente da República e de seus aliados. Mas o erro não é do TCU. Seus ministros, tanto quanto se sabe, têm procurado seguir a cartilha da verificação de gastos governamentais. Isso inclui, entre outros itens, a análise das formas de contratação, a avaliação dos contratos e o acompanhamento da gestão das obras. No caso da Norte-Sul, a correção das falhas apontadas poderá proporcionar um ganho de R$ 300 milhões, segundo o secretário de Fiscalização de Obras do TCU, André Luiz Mendes, citado em reportagem no Estado de domingo.
O presidente Lula atacaria mais corretamente o problema se cobrasse da administração federal mais competência e mais cuidados na elaboração e na execução de projetos, em todas as fases. Há inegáveis falhas de gerência, mas o presidente Lula não se mostra preocupado com isso. Se levasse a sério a administração, deveria dirigir a primeira e mais severa cobrança à pessoa responsável pela coordenação da maior parte do programa de obras: a ministra Dilma Rousseff, principal figura do Ministério, "mãe do PAC" e sua candidata à própria sucessão.
Raras vezes na história do Brasil a qualidade da administração federal foi tão baixa quanto nos últimos sete anos. Com exceção de uns poucos núcleos de excelência, a máquina de governo emperrou e passou a funcionar muito mal, submetida ao aparelhamento, ao empreguismo e à politização, no pior sentido, da gestão pública.
Os problemas apontados pelo TCU dão uma ideia muito incompleta das deficiências administrativas. A maior parte das obras incluídas no PAC nem entrou em execução. O último levantamento completo divulgado pelo site Contas Abertas, com base em dados oficiais, cobre o período até abril e revela que, em dois anos e três meses foram concluídas apenas 827 das 11.990 obras do programa - apenas 7%. Outras 7.721, cerca de 64%, continuavam no papel, isto é, em "contratação", "ação preparatória" ou "licitação".
Quando se examinam só os investimentos financiados pelo Tesouro Nacional, incluídos ou não no PAC, o resultado é igualmente desolador. Pelos dados de execução orçamentária disponíveis até 8 de agosto, o governo só havia desembolsado para investimentos R$ 3,71 bilhões, 7,21% dos R$ 51,42 bilhões autorizados para 2009. Os valores empenhados, isto é, já destacados para a realização dos projetos, alcançaram apenas R$ 16,53 bilhões, 32,14% da previsão orçamentária, embora mais de metade do ano já tenha ficado para trás.
O presidente Lula pode esbravejar o quanto quiser contra o TCU. Mas, se desse mais atenção a esses e a outros dados igualmente desabonadores, teria de reconhecer, pelo menos para si, a real natureza do problema: a baixíssima qualidade gerencial de seu governo, mesmo depois do aumento real de 49% nos gastos com pessoal desde o primeiro mandato.