Título: Empregos e salários no Senado
Autor: Macedo, Roberto
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/08/2009, Espaço Aberto, p. A2

Há tempos o Poder Executivo federal, chefiado pelo presidente Lula, é criticado pela expansão desordenada do quadro de servidores e pelos pródigos aumentos de salários conferidos a boa parte deles, como às categorias com maior poder de barganha. Destaque-se também a criação de milhares de cargos providos sem concurso. No Senado há indícios de que essas coisas são ainda piores.

Em números, segundo levantamento cedido pelo economista Ricardo Bergamini, no final de 2002 o Executivo federal, exceto Defesa, tinha 961.853 funcionários e em março deste ano, 1.074.348, levando assim a um acréscimo de 11,7% no período. Na Câmara dos Deputados os números correspondentes foram 19.481, 20.692 e 6,2%. E no Poder Judiciário alcançaram 102.809, 116.353 e 13,24%. O maior acréscimo relativo ocorreu no Senado, de 7.673 para 10.949 servidores, um aumento de 42,7%!

Tanto na Câmara como no Senado, é de perguntar o que (não) fazem com tantos servidores. A primeira mostra 40 servidores por deputado e no segundo há 135 por senador! No Senado o aumento é tão inusitado como injustificável, pois mesmo relativamente à Câmara o número dessa Casa já era elevado em 2002, e ainda por cima veio esse enorme acréscimo. Mesmo que tenha decorrido de incorporação de terceirizados, o número por senador era e é absurdamente elevado.

O relatório apresentado na terça-feira pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), contratada para propor uma reforma administrativa da instituição, percebeu isso, ainda que tímido e ingênuo nas suas propostas. Procurou justificar o grande número dos servidores sem concurso e viu mais excesso no quadro de carreira, no qual propõe um corte de 20%. Este seria feito por meio de um plano de demissão voluntária, à maneira dos adotados no setor privado. Contudo, dados os altíssimos salários, a aposentadoria integral e outras melhores condições de trabalho que prevalecem no Senado, pode-se prever baixíssima ou nula adesão ao plano. Alternativamente, a FGV sugere o aproveitamento do excesso em outros órgãos do governo. Se forem para o Executivo, relativamente ao qual também costumam ganhar mais, vão gerar demandas de isonomia por parte de seus pares, além de dificuldades de treinamento e adaptação.

Quanto aos salários do Senado, em meio às muitas notícias sobre a crise por que ele passa, é chocante a informação (FolhaNews de 18 deste mês) de que 350 (!) de seus servidores têm salários maiores que os dos ministros do Supremo Tribunal, recebendo mais de R$ 24.500 por mês, que é o teto definido pela Constituição para os servidores públicos. Mas que teto furado é esse que novamente se mostra como uma daquelas leis que não pegaram, embora tenha resultado de uma emenda constitucional em 2005? Conforme a mesma notícia, os pagamentos que rompem o teto se sustentam em parecer da Advocacia-Geral do Senado, feito um mês depois que essa emenda constitucional foi aprovada. Ou seja, a própria Casa cuidou de dar sustentação jurídica ao que parece ser mais uma aberração.

Como deve haver mais coisas debaixo do tapete, seria o caso de publicar regularmente a remuneração individual dos servidores, tal como feito pelo prefeito Gilberto Kassab, de São Paulo. Nessa, como noutras áreas, o que o governo paga parece um gasto secreto, e Churchill já dizia que a luz do sol é um ótimo desinfetante.

No mesmo noticiário houve várias referências a servidores que tiveram suas nomeação, remuneração e promoção definidas por atos secretos, e a menção deste jornal, em 14/8, de que o Sindicato dos Servidores do Poder Legislativo e Tribunal de Contas da União (Sindilegis) reivindica um plano de carreira para os efetivos da Casa, o qual estabelece um "salário-base" de R$ 18.976,80 para os servidores com curso superior em final de carreira e de R$ 13.275,82 para funcionários de nível técnico nessa mesma situação.

Segundo o presidente do sindicato, o propósito do plano é igualar os salários do Senado aos do Tribunal de Contas da União. É o velho argumento da isonomia. Na realidade, uma categoria consegue de alguma forma levantar seus salários e outras logo começam a gritar querendo a mesma coisa. Por que não pensar na isonomia relativamente a salários observados fora do governo?

O plano do Sindilegis custaria R$ 200 milhões por ano, mas o seu presidente disse que esse valor seria menor do que a economia decorrente da extinção - que viria com o plano - da gratificação e das horas extras incorporadas hoje aos subsídios de pelo menos 80% dos servidores efetivos. Ou seja, é uma forma de manter o que não deveria ter sido concedido.

O que se percebe desses números e informações é que a administração de recursos humanos no Senado se revela completamente solta, sem uma determinação criteriosa das necessidades de servidores e das remunerações. Com isso prevalece a pressão de funcionários, à qual frequentemente sucumbiram e ainda sucumbem os senadores, na sua maioria pródigos ao distribuir benesses a seus próprios servidores. E não há nenhuma punição para essa irresponsabilidade.

De um modo geral, tanto por vícios passados como por falta de bons exemplos de cima, essa má administração do número e dos salários dos servidores no governo federal chegou a tal ponto que já se marca como uma herança maldita para as administrações que se seguirão.

O cidadão, quando presta atenção, assiste bestificado a tudo isso, já que não tem representantes à altura de uma verdadeira República, capazes de coibir os abusos como os que vieram à tona. Além de pesarem no bolso do contribuinte, são privilégios que de modo geral não têm paralelo nem na estabilidade, nem nas remunerações e tampouco nas condições de aposentadoria a que estão sujeitos os demais trabalhadores.

Roberto Macedo, economista (USP e Harvard), professor associado à Faap, é vice-presidente da Associação Comercial de São Paulo