Título: Salvos pelo gongo
Autor: Kramer, Dora
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/09/2009, Nacional, p. A6

Os deputados ficam devendo essa aos senadores. No início da noite de ontem, tudo indicava que aquilo que muitos senadores consideravam impossível ocorreria: a maioria dos deputados concordarem em manter, na Câmara, a liberação total do uso da internet aprovada pelo Senado 24 horas antes.

À tarde, o cenário não era animador para mudanças. Além de terem sido aprovadas restrições à liberdade de expressão na internet há menos de dois meses, no dia da votação final no Senado o relator do projeto na Câmara , Flávio Dino, avisara aos senadores que se eles liberassem geral os deputados anulariam essa decisão.

Isso a despeito de todas as manifestações em favor da liberação, incluindo as posições dos presidentes da República, do Congresso e do Supremo Tribunal Federal.

¿A batalha é dura¿, constatava o líder do PT no Senado, Aloizio Mercadante, o primeiro a defender a derrubada das restrições quando elas chegaram na Câmara. Mas, se o petista não tivesse conseguido apoio dos outros líderes partidários para a construção do acordo final, teria prevalecido a posição do relator Eduardo Azeredo, que inicialmente seguia a filosofia do que havia sido votado pelos deputados.

Depois de um mês de intensa pressão, idas, vindas e algumas concessões , finalmente na tarde de terça-feira Azeredo concordou em mudar sua proposta , diante dos argumentos dos colegas de que perderia na votação em plenário, ficaria isolado e ainda prejudicaria seu partido, o PSDB, cuja bancada ¿ salvo poucas exceções não o acompanhava.

E se a coisa foi difícil no Senado, onde a relação com o eleitorado é muito mais direta, pois o parlamentar ali se elege pelo voto majoritário, concentrado, pessoal, na Câmara estava sendo visita como uma causa quase impossível.

Na opinião de Mercadante, que já começava a se articular com deputados interessados em organizar uma reação contra as restrições, se a votação não fosse precedida de muita negociação, os deputados vetariam as mudanças feitas no Senado.

Pelo seguinte: Na Câmara o efeito da pressão sempre foi muito mais difuso. Um fator decorrente do próprio modelo da eleição proporcional, em que a relação entre representantes e representados é totalmente dispersa.

São raros os deputados ¿de opinião¿, que vivem dos votos obtidos em função da conduta como parlamentar. A maioria se elege por força de grupos de influência específica (radialistas, ruralistas, evangélicos etc), de redutos beneficiados por recursos federais, na soma de votos das coligações, pouco importando para o eleitor como tenha sido o comportamento do deputado ao longo do mandato.

Não são, portanto, tão expostos aos efeitos da opinião do público nas respectivas eleições e, por isso mesmo, há na Câmara tanta gente que se ¿lixa para a opinião pública¿.

Reduzido o risco do dano eleitoral, se reduz na mesma proporção a sensibilidade da Excelência para assuntos de interesse geral, inclusive aqueles que mobilizam milhões de pessoas, como a questão do uso da internet.

Foi assim, em julho, quando não houve sobre a Câmara um átimo das constatações que o Senado enfrentou no último mês. Não surgiu, nem entre os deputados contrários ao projeto aprovado, uma força de resistência.

Como se, acuados por seu cada vez menor poder de influência face à massa fisiológica de deputados para quem toda proibição é uma recompensa por conta de seus serviços prestados à impostura, deixassem a tarefa mais difícil a cargo do Senado.

Pela mudança ocorrida na cabeça de suas excelências depois que a matéria passou pelo Senado, a Câmara ou pelo menos as lideranças mais conscientes ¿ percebeu que pagaria uma conta muito grande no final da história.

O Senado ficaram como herói da resistência e os deputados com o direito à última, mas atrasada e repudiada palavra. Isso sem contar a desmoralização de ver todas as proibições derrubadas quando entrasse em cena a realidade da impossibilidade de mantê-las em pé.

A decisão não chegou a ser sábia porque era a única saída para escapar do ridículo.

`El brujo¿

Quem participou da reunião entre o presidente Luiz Inácio da Silva com um grupo de governadores,na véspera da divulgação dos projetos de regulação do modelo de exploração do pré-sal, ficou muito impressionado com o desempenho de Franklin Martins - em matéria de influência, muito os graus acima do que seriam suas funções de ministro da Comunicação Social.

Martins impõe idéias, interprela governadores ¿ no caso, de maneira especialmente dura com o governador do Rio, Sérgio Cabral que revidou de imediato e interrompe o presidente, que, segundo as testemunhas, não demonstra desagrado. Ao contrário.

Á memória de uma delas, na hora surgiu a figura de Lopez Rega, o conselheiro da viúva de Juan Perón, Isabelita, quando presidente da Argentina nos anos 1970.