Título: Os foragidos estrangeiros
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/09/2009, Notas e informações, p. A3

Embora o avanço da microeletrônica e da engenharia de telecomunicações tenha propiciado informação em tempo real há quase duas décadas, só agora o Brasil está pondo em prática um mecanismo especialmente concebido para coibir a entrada de criminosos estrangeiros que procuram o País para se esconder, como ocorreu com o assaltante inglês Ronald Biggs, o mafioso italiano Tommaso Buscetta e o traficante colombiano Juan Carlos Abadía.

O programa Fim de Linha, desenvolvido pela Polícia Federal (PF), promove a interligação online de todos os aeroportos, portos e postos de fronteira brasileiros. O programa também permite aos agentes da PF cruzar em tempo real as informações sobre quem está entrando ou saindo do País com o banco de dados da Organização Internacional de Polícia Criminal (Interpol).

Além disso, o Fim de Linha garante o acesso ao Mind & Find - o sistema de cadastro duplo da Interpol, que registra todos os passaportes perdidos ou roubados no mundo inteiro. Até agora, o Brasil só tinha acesso à lista Mind, que contém os números dos passaportes. Com o Fim de Linha, o País também passa a ter acesso ao Find, que registra os nomes dos titulares dos passaportes. O acesso às duas informações dá às autoridades portuárias, aeroportuárias e de postos de fronteira maior segurança para barrar viajantes com passaportes suspeitos.

As cidades brasileiras mais procuradas para refúgio por criminosos estrangeiros são as grandes regiões metropolitanas, como São Paulo e Rio de Janeiro, e as capitais litorâneas do Nordeste. Como nessas áreas vivem pessoas das mais diversas origens étnicas, os criminosos estrangeiros acreditam que poderão nelas viver despercebidos. No caso das capitais nordestinas, com grande afluxo de turistas durante o ano todo, eles imaginam desembarcar com facilidade de voos regulares domésticos ou fretados. Essas cidades são escolhidas também por contarem com agências bancárias conectadas com o sistema financeiro internacional, o que facilita as operações de lavagem de dinheiro.

"O sistema Fim de Linha ficará o dia todo em funcionamento e nos sete dias da semana, porque em um mundo globalizado, com múltiplos acordos para facilitar o trânsito de pessoas e de mercadorias, as fronteiras não são mais vistas como barreiras que cercam territórios intransponíveis. São linhas de demarcação de soberania com um controle feito à luz do respeito aos direitos civis e que exige tecnologia e rapidez nas informações", diz o diretor da PF, Luiz Fernando Corrêa, depois de lembrar que o programa também ajudará a acabar com a imagem do País como paraíso da impunidade. No imaginário dos diretores de Hollywood, o Brasil, desde o clássico Interlúdio, lançado por Alfred Hitchcock em 1946, até os recentes Inimigos Públicos, de Michael Mann, e Antes que o Diabo Saiba que Você Está Morto, de Sidney Lumet, é apontado como um dos refúgios prediletos dos criminosos internacionais.

Estereótipo semelhante também pode ser encontrado nas propagandas que, para atrair turistas, descrevem o Brasil como terra de farra, samba e carnaval. Para conter a entrada de estrangeiros que vêm ao País para fazer turismo sexual, atraídos por esse tipo de publicidade, o programa Fim de Linha também dispõe de uma "lista vermelha" com o nome de pessoas já condenadas no exterior pelos crimes de pedofilia e lenocínio. "Quem já pagou por esse tipo de crime não pode ser alvo de uma restrição. Mas, pelo padrão de comportamento dessas pessoas, sabemos que elas merecem ser monitoradas", diz o coordenador-geral da Interpol no Brasil, delegado Jorge Pontes. A medida foi inspirada na experiência da PF, que organizou uma lista de suspeitos de tráfico de animais silvestres e produtos da biodiversidade brasileira.

O uso da tecnologia e da comunicação online é uma das formas mais inteligentes de se combater a criminalidade. Ainda que posto em prática com atraso, pois o programa já existe há anos nos EUA e na União Europeia, o Fim de Linha é uma iniciativa importante, que coíbe a entrada de foragidos no País e melhora sua imagem no exterior.