Título: Carter vê racismo em críticas a Obama
Autor: Mello, Patrícia Campos
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/09/2009, Internacional, p. A16

'Ataques devem-se ao fato de ele ser negro', diz ex-presidente; oposição denuncia tentativa de desviar debate da saúde

O ex-presidente Jimmy Carter afirmou em entrevista na TV que grande parte da atual oposição ao presidente Barack Obama é motivada por racismo. "O racismo ainda existe e voltou a emergir porque muitos brancos, e não apenas no sul do país, acham que um afro-americano não está qualificado para liderar a nação", denunciou Carter. "Grande parte da animosidade em relação ao presidente Obama deve-se ao fato de ele ser negro."

As declarações de Carter inflamaram ainda mais a controvérsia racial, que tomou conta de blogs, jornais e TVs nos EUA. Obama foi alvo de muitos ataques durante os últimos meses, quando assembleias sobre a reforma de saúde transformaram-se em fóruns contra o governo e Obama foi acusado de ser "nazista".

"O presidente Obama não acredita que as pessoas estão nervosas por causa da cor de sua pele", rebateu, em meio à escalada retórica, o porta-voz da Casa Branca, Robert Gibbs. "As pessoas estão nervosas por causa do que aconteceu com o Lehman Brothers há um ano, e com as consequências disso até hoje."

Seguindo a posição de Obama durante sua campanha, a Casa Branca tem tentado atenuar a questão racial para evitar reações mais radicais de grupos da direita.

A oposição irada culminou com o ataque do congressista republicano Joe Wilson, no dia 9. Enquanto Obama discursava no Congresso sobre a reforma do sistema de saúde ,Wilson gritou "você mente" depois de o presidente ter dito que a reforma não vai cobrir imigrantes ilegais. Os democratas ofenderam-se e aprovaram uma moção de repúdio anteontem na Câmara. Já para os conservadores, Wilson transformou-se em herói e chegou a dar autógrafos no Capitólio.

No domingo, Maureen Dowd, colunista do New York Times, pôs mais lenha na fogueira. "Eu ouvi a palavra não dita, mas implícita: Você mente, rapaz", escreveu Maureen (leia a íntegra nesta página). Rapaz (boy) era usado de forma paternalista por brancos do sul, como forma de ser condescendente em relação aos negros.

"DIFAMAÇÃO"

Republicanos defenderam-se, acusando democratas de usar a desculpa da raça para desviar a atenção de críticas legítimas. "Carter está completamente equivocado. Essa é uma tentativa patética de desviar a atenção da reforma do sistema de saúde, altamente impopular", disse Michael Steele, presidente do Comitê Nacional Republicano. "Caracterizar críticas como racismo é uma prova de que democratas estão dispostos a ir longe demais para difamar qualquer um que discorde deles."

Steele, que é negro, foi recrutado para liderar o comitê justamente para reduzir as acusações de que o partido republicano é "um clube de homens brancos anglo-saxões protestantes", os chamados "Wasp".

O fato é que a reforma da saúde está funcionando como catalisador da oposição dos conservadores e alguns independentes a Obama. No sábado, cerca de 80 mil pessoas reuniram-se em Washington para protestar contra Obama e suas políticas para saúde, clima e resgate de instituições financeiras.

A onda de protestos vem sendo incentivada por jornalistas de direita como o âncora Glenn Beck, da Fox News. Beck diz que Obama "é racista e não gosta de brancos". Outro ícone da direita, o radialista Rush Limbaugh, disse nesta semana em seu programa: "Na América de Obama, são os meninos brancos que apanham, enquanto os negros aplaudem."

Muitos analistas argumentam que não se trata de racismo, mas de uma reação agressiva ao aumento da intervenção do governo. Democratas como o congressista James Clyburn, da Carolina do Sul, não concordam - ele liderou a moção de repúdio a Wilson. "Não podemos deixar essas coisas passarem em branco, pois elas começam a aumentar e infeccionar", disse Clyburn, o congressista negro com cargo mais alto no Congresso. COMENTÁRIOS