Título: A reação da China
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Fonte: O Estado de São Paulo, 16/09/2009, notas e informações, p. A3
Ao reagir com rapidez sem precedentes à decisão do presidente americano Barack Obama de impor sobretaxa aos pneus chineses que entram nos Estados Unidos, a China deu um sinal claro de que agora está disposta a utilizar todos os instrumentos de defesa comercial a que pode recorrer e empregará seu peso no comércio mundial para defender seus interesses, quaisquer que sejam seus adversários. São dois contendores de grande peso, pois a China deve tornar-se, neste ano, o maior exportador do mundo, superando a Alemanha, e os Estados Unidos continuam sendo o maior importador do mundo.
A sobretaxa de 35% sobre os pneus chineses, já taxados com 4% quando entram nos EUA, foi anunciada na sexta-feira passada por Obama, atendendo às pressões de sindicatos americanos de trabalhadores da indústria de pneus que o apoiaram na campanha eleitoral. Na primeira oportunidade que teve, na segunda-feira, o governo de Pequim apresentou queixa contra a medida na OMC e anunciou o início de investigações sobre as exportações americanas de carne de frango e autopeças por suspeita de dumping, isto é, a venda no exterior a preço inferior ao praticado no mercado interno ou ao custo de produção. Assim, estende para outras áreas a disputa com seu principal parceiro comercial.
O governo chinês acusa o americano de não ter respeitado os compromissos assumidos na reunião do G-20 (o grupo dos países mais ricos e dos principais emergentes), de evitar a adoção de medidas protecionistas para enfrentar a crise e de abusar de medidas comerciais que podem enfraquecer as relações entre os dois países. O presidente Barack Obama afirmou que seu governo "está comprometido a expandir o comércio e a ter novos acordos comerciais", mas ressalvou que tão importante quanto abrir mercados é manter as regras locais.
Do ponto de vista de valores, o caso dos pneus parece irrelevante. A sobretaxa imposta por Washington afeta importações que, no ano passado, somaram US$ 1,8 bilhão, valor ínfimo se comparado ao volume do comércio bilateral. Só no primeiro semestre deste ano, o déficit comercial americano com a China alcançou US$ 103 bilhões, e continua a crescer. Mas o caso pode ter outras implicações.
Ele mostra como Obama retribui o apoio que recebeu para vencer a eleição presidencial. Os sindicatos alegaram que a entrada de pneus chineses no mercado americano levou à destruição de 7 mil empregos nos EUA - e, na campanha eleitoral, Obama garantira que não trocaria a defesa dos trabalhadores americanos por um bom acordo com a China.
A China, porém, respondeu pronta e pesadamente à sobretaxa aos pneus - parte dos quais fabricados pela empresa americana Goodyear -, ameaçando com retaliação os exportadores americanos de carne de frango e de autopeças, dois setores politicamente importantes para Obama.
O setor de frango conta com o apoio de um dos mais ativos lobbies e vem pressionando o governo para abrir e garantir mercados externos, porque o doméstico está saturado. Já o setor de autopeças emprega muitos trabalhadores sindicalizados e tem influência política importante no Partido Democrata. As exportações americanas de autopeças para a China são relativamente modestas, mas a importância da discussão - como no caso dos pneus chineses - não está nos valores envolvidos. Ela é importante por tudo o que pode trazer à mesa de discussões, como, por exemplo, os bilionários subsídios que o governo de Washington concedeu às grandes montadoras do país, para lhes assegurar a sobrevida.
Quaisquer que sejam as conclusões da queixa apresentada pela China na OMC e de sua investigação sobre prática de dumping pelos EUA, este é um embate que, por envolver dois dos maiores participantes do comércio mundial, deve ser acompanhado com atenção pelos demais, pois dele podem surgir novas oportunidades de comércio. Mas é uma disputa importante também porque começa num momento em que o comércio mundial enfrenta uma onda de protecionismo, que poderá ser afetada pelo resultado desse embate.