Título: A Ásia e a cúpula do G-20 em Pittsburgh
Autor: Hofmeister,Wilhelm
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/09/2009, Espaço aberto, p. A2

"Quem comprará os nossos produtos, se os americanos não têm mais dinheiro?"

Essa questão preocupa muitos empresários e governos na Ásia. Além de terem de lidar com uma crise que não causaram, nos últimos meses aumentou a preocupação sobre quem vai financiar a recuperação futura. Eles se deram conta de que o boom dos últimos anos havia sido financiado principalmente pelos consumidores dos EUA, que foram e ainda são os principais compradores dos seus produtos. Foi a espiral da dívida nos EUA que provocou a crise global. Mas os asiáticos beneficiaram-se bastante desse endividamento. E com o investimento dos seus lucros em bônus norte-americanos contribuíram para o financiamento dessa mesma espiral. Provavelmente em nenhum outro lugar do mundo a vinculação entre o próprio bem-estar e a situação nos EUA é tão estreita. Por isso, da Ásia olham com atenção especial para Washington e Nova York, para interpretar os sinais políticos e as oscilações da bolsa de valores.

A principal lição da crise é que se devem fazer maiores esforços para reduzir a dependência dos EUA. A China e outros países asiáticos vêm investindo somas enormes, nos últimos meses, em programas de estímulo para reanimar os mercados domésticos - o que reduziu os efeitos negativos da crise. Os sinais de consolidação tornam-se cada vez mais visíveis. A Ásia vai sair mais forte desta crise. Isso é especialmente válido para a China, mas também para outras economias do continente, como Índia e Coreia do Sul. Enquanto isso, o Japão deve esperar pelas medidas de recuperação do novo governo. A China prevê para este ano um crescimento de 8,5%! Em outros países a recessão foi menos dramática do que se temia inicialmente. Países com crescimento forte no passado, como Cingapura e Malásia, conformam-se com o fato de o declínio ter sido menor do que receavam. Para o próximo ano todos os países asiáticos esperam taxas de crescimento mais elevadas.

Os asiáticos não gostam do Buy American do presidente Barack Obama. Mas notam com alívio que, em termos gerais, não se verificou um ressurgimento do protecionismo. Agora a maioria desses países espera que durante a reunião do G-20 em Pittsburgh seja fechado um acordo sobre a eliminação gradual dos estímulos fiscais e das garantias aos bancos. Os mercados financeiros asiáticos pouco foram atingidos pela crise e têm-se reforçado significativamente nos últimos anos. Os três bancos com o valor maior de mercado - que há uma década eram dos EUA e do Reino Unido - hoje são da China.

O peso da China e da Ásia para o mundo e para o sistema financeiro mundial, no entanto, continua a ser relativamente limitado. A cota chinesa no PIB global é de 9%, três vezes menor que a dos EUA e da Europa. Portanto, os chineses sabem que com seu dinheiro podiam evitar uma recessão em casa, mas a revitalização do comércio internacional depende muito mais de EUA e Europa. Mesmo que a China tenha questionado diversas vezes nos últimos tempos a posição do dólar como moeda de reserva internacional, o domínio da moeda americana não vai mudar.

Pouca crítica ao capitalismo - Karl Marx, durante a crise, não viveu uma demanda maior no mercado de seus livros da Ásia. Enquanto os europeus tomam a crise como antecedente para enfatizar suas reservas quanto ao liberalismo de mercado norte-americano e destacam os benefícios de um modelo econômico em que não a "mão invisível" do mercado, mas sim a mão visível do Estado ponha ordem nos mercados, na Ásia tais questões não são discutidas com muita ênfase. Mesmo que, evidentemente, também aqui a política de intervenção dos governos tenha impedido o colapso dos mercados, em muitos países a crença no capitalismo é bastante profunda. É notório que os convertidos são os mais fanáticos da sua nova religião. Assim, nos países asiáticos que só há poucos anos se converteram ao capitalismo existe pouca disposição de questionar um modelo econômico que em pouco tempo lhes outorgou prosperidade e progresso inesperados na luta contra a pobreza.

A preocupação europeia em discutir na cúpula do G-20 a limitação de salários de gerentes de bancos é, na Ásia, considerada uma medida populista perante os eleitores europeus, que não corresponde às ações necessárias para melhorar a organização e supervisão do sistema financeiro internacional. Uma saída dos programas de estímulo econômico e de garantias aos bancos, assim como maior participação e poder de decisão para os países emergentes e em desenvolvimento nas instituições financeiras internacionais, esses, sim, são temas abordados pela maioria dos países asiáticos como tarefas mais urgente da cúpula do G-20. Mas temem-se bloqueios dos EUA e dos europeus contra tais aspirações. Em Cingapura acaba-se de anunciar que nos próximos cinco anos serão procurados cerca de 900 gerentes de banco experientes. Fica claro que eles não se deixam atrair por salários de funcionário público dos Estados sociais europeus. Portanto, dificilmente se pode esperar apoio dos asiáticos para a iniciativa europeia de limitar a remuneração dos executivos, durante a reunião do G-20.

Os líderes da Ásia viajarão com sentimentos ambíguos para Pittsburgh. Por um lado, o G-20 é um fórum que lhes dá participação na discussão de questões da governança global. Do seu ponto de vista, o G-20 devia substituir o G-8, o grupo dos ricos, do qual as economias emergentes até agora têm sido excluídas e marginalizadas na foto final. China e Índia não vão mais aceitar esse papel. Por outro lado, os asiáticos sabem que norte-americanos e europeus ainda não chegaram a posições comuns quanto à regulação dos mercados financeiros internacionais e bloqueiam uma maior participação dos emergentes nas instituições financeiras internacionais. Os asiáticos, por conseguinte, esperam negociações complicadas em Pittsburgh.

Wilhelm Hofmeister é diretor do Centro de Estudos da Fundação Konrad Adenauer em Cingapura