Título: O BNDES na Copa
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Fonte: O Estado de São Paulo, 18/09/2009, Notas e informações, p. A3

O governo federal decidiu envolver o BNDES na construção e reforma de estádios para a Copa do Mundo de 2014. O banco poderá emprestar até R$ 400 milhões ou 75% do custo de cada projeto - o menor dos dois valores - a governos estaduais e prefeituras. Os empréstimos poderão, portanto, chegar a R$ 3,6 bilhões, se forem financiados somente os estádios públicos de 9 das 12 cidades-sede. Mas já se admite a hipótese de créditos para as obras de estádios particulares - o Morumbi, de São Paulo; o Arena da Baixada, de Curitiba; e o Beira-Rio, de Porto Alegre. Dirigentes do São Paulo já confirmaram interesse na obtenção de uma quantia entre R$ 120 milhões e R$ 140 milhões. O governo também propõe uma linha de financiamento para projetos de mobilidade urbana - metrôs e corredores de ônibus, por exemplo. Com o envolvimento na Copa, amplia-se mais um pouco o leque de responsabilidades atribuídas ao BNDES. Também fica um pouco mais difícil entender o seu atual papel como instituição de fomento e seus padrões de administração financeira.

Não haveria dinheiro público nas obras para a Copa do Mundo, garantiam há dois anos as principais figuras envolvidas no empreendimento. Mas a ideia foi abandonada e, como registrou o Estado em reportagem publicada ontem, em agosto o presidente da Confederação Brasileira de Futebol, Ricardo Teixeira, anunciou o provável financiamento de obras com recursos públicos. Ele só excluiu, na ocasião, os três estádios particulares.

O governo federal poderia ter proposto o uso de verbas orçamentárias, mas preferiu usar o BNDES como canal de financiamento. Formalmente, pelo menos, prefeituras e governos estaduais tomarão empréstimos e assumirão o compromisso de devolver o dinheiro. Pela proposta apresentada ao governo do Rio Grande do Norte, haverá dois anos de carência e dez para pagamento, com remuneração de 1,9% ao ano mais Taxa de Juros de Longo Prazo, atualmente fixada em 6% ao ano. Mas terão os governos e prefeituras suficiente rentabilidade, com esse investimento, para liquidar o empréstimo no prazo estabelecido?

Mas este não é o único e talvez nem seja o detalhe mais importante. Falta esclarecer se o financiamento de obras para a Copa do Mundo de 2014 é de fato prioritário para um banco de fomento. Essa questão é especialmente relevante quando esse banco é a principal fonte de empréstimos de longo prazo para a ampliação e a modernização das empresas brasileiras. Também não se pode esquecer o papel do BNDES como financiador das exportações. A importância desse papel deverá crescer nos próximos anos, porque a competição no comércio internacional será provavelmente mais dura nos primeiros anos depois da crise.

As dúvidas sobre os objetivos, prioridades e funções do banco não são novas, no entanto. O BNDES interveio, no começo do ano, para facilitar a compra da Aracruz Celulose pelo Grupo Votorantim. "É uma das tarefas do BNDES apoiar a formação de empresas brasileiras eficientes, com atuação global", disse o presidente da instituição, Luciano Coutinho, procurando justificar o negócio.

De fato, uma das empresas, a Aracruz, estava com grave problema, depois de perder R$ 2,18 bilhões em operações com derivativos cambiais. Outras grandes empresas também perderam dinheiro com operações desse tipo e não foram socorridas por bancos estatais.

Também tem causado estranheza a participação do BNDES no financiamento à Petrobrás, mesmo depois da melhora das condições no mercado internacional. A estatal, assim como outras grandes companhias brasileiras, tem normalmente acesso ao crédito externo e pode dispensar o apoio de bancos ligados ao governo, deixando espaço para outras empresas.

A ação do BNDES, nesse e noutros casos, parece obedecer não a critérios próprios nem a um plano formal de desenvolvimento, mas a uma estratégia de poder definida no Palácio do Planalto. Essa estratégia envolve o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal e as estatais do setor produtivo, como a Petrobrás, a Eletrobrás e a Telebrás. Na prática, essas empresas deixam de ser órgãos do Estado, com funções claras e critérios técnicos, para se tornarem instrumentos políticos.