Título: Fim de uma relação especial com o Leste Europeu
Autor: Mello,Patrícia Campos
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/09/2009, Internacional, p. A14

No minúsculo povoado polonês de Redzikowo está o que outrora foi uma importante base aérea - isso antes de o Pacto de Varsóvia ser extinto, em 1991. Hoje, as instalações estão em ruínas. E a modernização das Forças Armadas foi feita em detrimento de empregos para a população civil local.

Assim, não é surpresa que, quando os EUA escolheram Redzikowo como um dos possíveis locais para a instalação de seu escudo antimísseis, a esperança era que a base aérea e a economia local fossem revitalizadas e a segurança da Polônia fosse assegurada pela permanência de militares estrangeiros.

Esses eram os planos do governo de George W. Bush, que manteve relações excepcionalmente estreitas com Polônia, República Checa e Romênia. Sob o governo Bush, os países da Europa Oriental apoiaram a guerra dos EUA contra o terrorismo. Não seguiram a política de muitos países da União Europeia (UE), apoiando a invasão do Iraque e enviando tropas para lá. Mas fecharam os olhos para os centros de interrogatório.

"Os países do Leste Europeu assumiram riscos em favor dos EUA na guerra no Iraque e Afeganistão", disse Ron Asmus, diretor em Bruxelas do Fundo Marshall Alemão dos EUA.

Com Barack Obama na Casa Branca, a instalação do escudo começou a ser questionada por causa de seu custo, eficácia e localização. Como resultado, as certezas da era Bush deram lugar a um sentimento de traição por parte dos europeus do leste.

Mais importante para o governo Obama é retomar as relações com a Rússia após anos de abandono por parte de Bush. A Rússia, cujo apoio é necessário em questões importantes como Irã, proliferação nuclear e Oriente Médio, deixa a Europa Oriental em segundo plano.

"Obama tem diferentes prioridades e está se concentrando nos problemas globais", disse Stephen Flanagan, vice-presidente do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, em Washington. "Talvez o governo ache que os problemas da Europa Central e Oriental sejam resolvidos agora que esses países fazem parte da UE e da Otan."

Uma das técnicas usadas pela equipe de Bush foi colocar os europeus uns contra os outros. Adulou o leste com visitas de alto nível e apoiou a adesão da Geórgia e da Ucrânia à Otan. Ao mesmo tempo, estendeu o tapete vermelho para o ex-premiê britânico Tony Blair, que apoiou a guerra no Iraque, e desconsiderou o ex-chanceler alemão Gerhard Schroeder, que se opôs à invasão. Com a Rússia, assumiu uma posição dura.

Essas divisões agradavam Bush. Era mais fácil tratar com uma Europa dividida do que com uma unida e forte. Mas Obama está mais concentrado no Afeganistão e depende pouco dos europeus. Não há por que dar um tratamento especial ao leste, ou perder seu tempo dividindo o continente.

"Há uma falta de conexão entre os países europeus e os EUA", disse Flanagan. "O governo americano está concentrado nas questões globais. Ele não é eurocêntrico e gostaria de fato que os europeus adotassem uma visão global também."

As elites políticas americanas também estão mudando. As conferências sobre segurança na Europa ainda podem atrair figuras como Zbigniew Brzezinski, Madeleine Albright ou Henry Kissinger, todos eles com antecedentes europeus. Mas essa geração está sendo substituída por uma sem nenhuma experiência da 2ª Guerra ou da era comunista.

O que pode não ser mau. Não é hora de se aborrecer com o tratamento dado por Obama à Europa. Os países da Europa Oriental devem desistir do escudo antimíssil e ver que seu futuro está na UE. Uma UE forte pode, de fato, fortalecer a relação transatlântica. E isso pode criar um novo papel para os próprios europeus do Leste.