Título: Essa nunca foi uma bandeira da esquerda
Autor: Marin,Denise Chrispim
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/09/2009, Internacional, p. A16
Apenas duas décadas após o fim da maior parte das ditaduras de direita na América do Sul, governos eleitos, e de esquerda, declaram abertamente considerar a imprensa seu "inimigo público número 1". Nos últimos meses, multiplicaram-se na região os marcos regulatórios, leis ambíguas, processos judiciais e fiscalizações que têm como objetivo cercear meios de comunicação críticos a alguns governos.
A Venezuela continua a ser o país em que os ataques são mais diretos - uma TV e 34 rádios saíram do ar por ordem do presidente Hugo Chávez e outras são ameaçadas. Mas os governos da Bolívia, Equador, Nicarágua e Argentina parecem estar seguindo o mesmo caminho (ver quadro).
Para o mexicano Adrian Gurza Lavalle, cientista político da USP, há uma explicação para tal situação: "A liberdade de expressão nunca foi uma bandeira da esquerda tradicional, mas sim uma bandeira liberal", diz. "Ela só foi adotada por parte da esquerda - a democrática, como a do Brasil e a do Chile." Lavalle explica que para regimes mais autoritários e centralizadores a preocupação é defender o "processo revolucionário" dos "inimigos da pátria". "Eles acham que "têm a história a seu lado" e veem a liberdade de imprensa como algo de menos importância", diz.
É claro que, felizmente, os métodos de tais governos estão longe dos desaparecimentos, torturas e assassinatos do passado. Mas o objetivo, dizem analistas, parece ser o mesmo: cercear as vozes críticas. Em geral, a justificativa está ligada justamente à grande liberdade que a imprensa recebeu após essas experiências traumatizantes.
"De fato, quando grupos privados exercem uma função pública, como ocorre com a mídia, há o risco de abusos. Um exemplo é o caso das TVs venezuelanas que apoiaram o golpe de 2002", afirma o analista político Ricardo Sucre, da Universidade Central da Venezuela. "A questão é que os benefícios de uma imprensa livre, que questiona, acompanha e critica as autoridades superam muito esses custos e riscos. E não dá para usar esses problemas para impor um discurso único em vez de fazer propostas positivas para melhorar o setor."
A preocupação com a liberdade de imprensa estende-se ao Brasil, mas aqui o problema é um pouco diferente. As ameaças vêm das decisões de alguns juízes, como a que censurou o Estado a pedido de Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney.
"A mídia é inimiga das instituições", disse o senador na terça-feira, mostrando que, apesar das críticas que costuma fazer a Chávez, está sintonizado com as tendências lançadas pelo venezuelano.